Investimento privado deve perder força, sob juro alto e insegurança



A combinação de juros altos e incertezas econômicas, que aumenta o custo do capital e reduz o retorno do investimento, está desestimulando os empresários a aplicar recursos na modernização e expansão dos negócios. Com isso, o investimento produtivo deve perder força em 2023, depois de dois anos de crescimento.

As expectativas para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é como os economistas chamam o investimento produtivo, vêm piorando desde o início do ano.

Em meados de janeiro, o ponto médio das projeções de bancos e consultorias para a FBCF indicava uma expansão de 1,5% no ano. Agora, a previsão é de uma alta de 0,6%, segundo o boletim Focus, do Banco Central. Mas há casas de análise trabalhando com perspectivas mais negativas. A XP Investimentos projeta uma retração de 2,4% no investimento, em comparação a 2022. A Tendências Consultoria prevê -2,7%.

Houve um aperto nas condições financeiras, tanto de famílias quanto de empresas. A inadimplência aumentou: em dois anos, os níveis de calotes das empresas passaram de 2,9% para 4,2% da carteira, ao passo que entre pessoas físicas o índice aumentou de 1,2% para 2,4%.

“Se, por um lado, o consumo e as exportações continuam firmes, por outro os investimentos privados devem apresentar queda”, cita a equipe de análise da XP.

A taxa média de juros cobrada das empresas, fator que pesa na decisão de investimento, recuou ligeiramente nos últimos meses, passando de 22,2% ao ano em janeiro para 21,3% ao ano em abril, segundo o Banco Central. Ainda assim, permanece bem mais perto do pico da série histórica (22,7% em fevereiro de 2016) que do patamar de dois anos atrás (13% em abril de 2021).

No campo das incertezas, a aprovação do arcabouço fiscal pela Câmara ajudou a desanuviar o ambiente, mas as novas regras não garantem a sustentabilidade das contas públicas, na visão de muitos economistas. A reforma tributária é uma incógnita. Os ataques de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à política monetária do Banco Central são outra fonte de ruído.

Há ainda as seguidas medidas do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação de impostos, acompanhadas ainda de decisões controversas dos tribunais superiores sobre causas tributárias, que tornam o passado ainda mais incerto que de costume. Por tudo isso, o empresário que decide um investimento hoje não faz ideia de quanto imposto pagará mais adiante, o que torna qualquer cálculo de retorno uma espécie de aventura.

Juros altos pesam mais na indústria

Um dos setores mais afetados é a indústria. Segundo o IBGE, a produção física caiu 0,4% no primeiro trimestre de 2023 ante igual período do ano passado.

Sondagem trimestral feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta que o juro elevado foi o principal problema no início do ano para 28,8% das empresas pesquisadas.

“Essa percepção por parte dos empresários afeta outras questões diretamente ligadas aos juros, agravando a percepção de demanda interna insuficiente, aumentando a dificuldade de obter crédito e influenciando os investimentos”, afirma o gerente de análise econômica da entidade, Marcelo Azevedo.

O levantamento também aponta que as condições financeiras das empresas pioraram no primeiro trimestre. Os empresários estão mais insatisfeitos com a margem de lucro e também estão preocupados com as dificuldades de acesso ao crédito.

“A dificuldade para acessar crédito está relacionada ao aumento da restrição nos critérios da concessão, dada a taxa de inadimplência alta, inclusive em razão de eventos adversos de grandes empresas varejistas”, destaca Azevedo.

País produz menos máquinas e equipamentos

Um dos segmentos cruciais para o investimento, o de máquinas e equipamentos, está em desaceleração. A produção nos três primeiros meses caiu 3,7% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, conforme o IBGE. E a receita real, já descontada a inflação, encolheu 4,6%, conforme a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

“O primeiro trimestre do ano mantém o cenário de
desaceleração dos investimentos observado mais intensamente desde o último
trimestre de 2022”, diz a diretora de economia, estatística e competitividade
da Abimaq, Cristina Zanella.

As maiores quedas ocorreram em segmentos dependentes de crédito, como os fabricantes de bens de consumo. A venda de máquinas para a indústria de transformação encolheu 13% no período. Mesmo a agricultura, que vem impulsionada por uma das melhores safras de grãos da história, também está enfrentando queda nas vendas de maquinário, de 14,7%.

O problema, de acordo com Zanella, são as dificuldades no acesso ao crédito, o que tem levado ao adiamento de investimentos. “Com crédito a custos superiores a 20% ao ano, o produtor não investe porque o retorno da atividade produtiva torna-se insuficiente”, destaca.

Taxa de investimento deve ser menor neste ano

A perda de ritmo da economia também deve contribuir para uma retração na taxa de investimento da economia brasileira em 2023. No ano passado ela foi de 18,8% do PIB, de acordo com dados do IBGE.

Segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas (FGV), a taxa caiu a 16,6% do PIB em fevereiro. Esse índice se aproxima da taxa de investimento média mensal desde janeiro de 2015, mas está abaixo dos níveis médios do investimento desde janeiro de 2000 (18,3% do PIB).

“É uma situação ruim que dificulta a geração de valor por parte das empresas e de renda e, também, a criação de oportunidades de trabalho”, diz o coordenador de contas nacionais da FGV, Cláudio Considera.

A Tendências Consultoria projeta, para 2022, uma queda de 2,7% na FBCF. Segundo o economista Sílvio Campos Neto, sócio da consultoria, além do aperto nas condições financeiras e do ambiente de incerteza, há um cenário mais cauteloso em algumas das principais economias mundiais, que continuam a aumentar as taxas de juros para combater a inflação ainda elevada.

“Temos também outras fragilidades que fazem com que tenhamos uma baixa taxa de investimento: a poupança é pequena e há uma dificuldade em mobilizar recursos”, diz Campos Neto. O ideal para uma economia emergente, como é o caso do Brasil, seria uma taxa superior a 20% do PIB, apontam economistas.

Cenário para investimento leva a um baixo crescimento no longo prazo

O principal impacto deste cenário para o investimento produtivo é a dificuldade em fazer a economia crescer a um ritmo mais acelerado nos próximos anos. Os investimentos acabam funcionando como um “motor” para a expansão da atividade econômica. As expectativas para o crescimento do PIB para o período 2023-26 não superam 2% ao ano, segundo dados coletados pelo BC no boletim Focus.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o caminho para viabilizar a retomada dos investimentos passa, obrigatoriamente, pela redução das incertezas sobre a economia.

“Não se sabe o que vai acontecer com o arcabouço fiscal no Congresso e falta uma reforma tributária”, aponta Considera, da FGV. Este cenário, diz ele, acaba desestimulando tanto investidores estrangeiros quanto nacionais. “É muita insegurança no ar”, destaca.

A deterioração das condições para o consumo também inibe o investimento. Considera lembra que a inflação ainda está elevada – ela deve ficar em torno de 6% neste ano – e o desemprego tem aumentado. Entre dezembro e março, a taxa de desocupação subiu de 7,9% para 8,8%.

Entre os fatores que inibem o consumo são a elevada inadimplência e o comprometimento de renda das famílias. Segundo a Serasa Experian, mais de 70 milhões de consumidores têm restrições ao crédito. E, apesar de o endividamento das famílias em relação à renda acumulada em 12 meses ter caído a partir de outubro, ela ainda está em patamares elevados. Era de 48,6% em fevereiro, segundo o BC.

Um caminho que facilitaria a retomada dos investimentos, de acordo com o sócio da Tendências, seria a aprovação da reforma tributária, pois daria maior segurança jurídica às empresas. O Brasil tem um dos piores sistemas tributários do mundo, marcado pela complexidade e pela multiplicidade de interpretações.

É o que também destaca Zanella, da Abimaq. Segundo ela, a reforma tributária, que foi amplamente discutida, tem o potencial de garantir ganhos importantes de competitividade ao setor produtivo – considerando apenas os resíduos tributários, que são os impostos que ficam presentes ao longo das cadeias produtivas, sem dar direito de crédito ao produtor.

A diretora da Abimaq estima que com o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), nos moldes do previsto nas PECs 45 e 110, o segmento teria um ganho de 7% na receita líquida de vendas.



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