A China continua construindo estádios na África — mas a que preço? – Notícias
Abidjan, Costa do Marfim — O estádio Alassane Ouattara se destaca como uma escultura na região norte da maior cidade da Costa do Marfim, poeirenta e terrosa, o telhado ondulado e as colunas brancas se erguendo sobre a paisagem como uma nave espacial que caiu em um planeta desabitado.
Construído há três anos e meio, teve seu grande momento de destaque em 11 de fevereiro, quando as seleções nacionais da Costa do Marfim e da Nigéria disputaram a final do evento esportivo mais importante da África, perante milhares de torcedores cantando e torcendo na obra que foi financiada e construída pela China.
Embora isso não seja novidade para a Copa Africana das Nações, a arena é apenas mais um exemplo das contradições que surgem dos projetos chineses, erguidos em seus termos, em solo africano.
Os estádios são a base de sua influência diplomática no continente desde os anos 1970, mas o número vem aumentando desde o início dos anos 2000, como parte de uma estratégia mais ampla para construir a infraestrutura — de estradas a ferrovias, de portos a palácios presidenciais, e até a sede da União Africana — em troca de influência diplomática ou acesso a recursos naturais.
Mediante esse programa trilionário, conhecido como a Iniciativa do Cinturão e Rota, a China se tornou o principal parceiro dos países em desenvolvimento beneficiados por projetos caros que, do contrário, não teriam condições de bancar. Só que a construção chinesa muitas vezes vem acompanhada de acusações de corrupção local, e os críticos questionam o valor de iniciativas bilionárias, observando que geram benefícios econômicos incertos de longo prazo, mas dívidas bem reais que os governos têm dificuldade de pagar. “A China não pergunta se você precisa de um estádio; simplesmente financia e toca a obra”, afirmou Itamar Dubinsky, pesquisador do Programa de Estudos Africanos da Universidade Ben-Gurion em Negev, Israel.
Ao longo dos últimos 20 anos, as empresas chinesas construíram ou reformaram dezenas de estádios na África, incluindo, nos últimos 15 anos, quase metade dos que sediaram as partidas da Copa Africana das Nações — total que inclui três dos seis usados para a edição deste ano, cujo destaque é o Ouattara, com 60 mil lugares, projetado e erguido por duas estatais chinesas.
A fachada de colunas brancas e arcos curvos — que incluem painéis verdes e laranja, as cores do país — são uma melhoria em matéria de estilo em relação aos projetos anteriores, que, segundo os críticos, não passavam de monólitos de concreto.
Mas, três anos depois que o estádio abrigou o primeiro jogo, a nova estrada que leva a ele ainda não foi inaugurada, forçando os torcedores a caminhar uma hora para chegar e/ou sair dele, e a cidade dos esportes à sua volta ainda não se materializou. Segundo os críticos, esta é outra característica comum dos projetos: os estádios construídos pelos chineses raramente vêm com a infraestrutura de apoio, ou a técnica para mantê-los.
Entretanto, para inúmeros torcedores que assistiram aos jogos no último mês, o que vale é outra coisa: a Costa do Marfim, recuperando-se de uma guerra civil, com uma das maiores economias da África Ocidental e uma classe média dinâmica, provou sua capacidade de sediar um torneio importante em instalações de última geração. “É impressionante”, disse a torcedora Halima Duret, observando as arquibancadas em uma noite recente. Decoradora de interiores que mora em Abidjan, ela estava vendo uma partida pela primeira vez, para lá de especial, na qual a seleção de seu país, a Guiné, se classificou para as quartas de final. “Que beleza”, completou.
A parceria entre a China e a Costa do Marfim, grande produtor de borracha e cacau, mostra como os chineses vêm querendo estreitar laços com as nações africanas ricas em recursos.
Enquanto operários chineses e marfinenses estavam erguendo o estádio em Ebimpé, na periferia de Abidjan, Alassane Ouattara visitou o colega chinês, Xi Jinping, em Pequim, em 2018, para estreitar as relações entre ambos. Desde então, os africanos aumentaram as exportações de borracha e petróleo bruto para a China, que se tornou um de seus maiores parceiros comerciais. Além disso, está financiando a expansão do porto de Abidjan, um dos maiores projetos da Iniciativa do Cinturão e Rota na região.
Com o aumento significativo do consumo de esportes na África, outros países estão entrando na onda: como a empresa de construção turca que construiu o novo estádio nacional do Senegal, que sediará os Jogos Olímpicos da Juventude em 2026. E a “Visite a Arábia Saudita” é a principal patrocinadora da liga de futebol panafricana.
Empresas e governos ocidentais também estão investindo, como a empresa francesa de petróleo Total Energies, principal patrocinadora da Copa Africana das Nações. E a NBA é uma das principais apoiadoras da Liga Africana de Basquete.
Mas nenhum país tem se dedicado mais a participar do cenário esportivo africano que a China, e as nações que sediam a Copa das Nações são os alvos principais desse esforço. Todos os estádios erguidos para as edições recentes do torneio, em Angola e no Gabão, foram construídos por companhias chinesas. E na capital do Quênia, Nairóbi, uma delas está reformando a arena onde o presidente William Ruto tomou posse e que vai sediar a edição da copa em 2027.
Mas muitos governos africanos deixaram que as estruturas, que a princípio eram motivo de orgulho, ficassem em mau estado — como a que se encontra na capital do Gabão, Libreville, praticamente abandonada desde que sediou a final da Copa das Nações em 2017. A República Centro-Africana, um dos países mais pobres do mundo, não tem condições nem de sediar os jogos da própria seleção.
Mesmo o estádio da Costa do Marfim tem imperfeições: o gramado não se estende muito além das quatro linhas do campo, por isso os organizadores tiveram de cobrir o perímetro com a versão artificial para impedir que os atletas escorreguem na pista de corrida adjacente.
O futuro dos estádios menores do país também é incerto. Membros do governo disseram que os times locais usariam a infraestrutura depois do fim do torneio, mas no balneário de San Pedro, que abriga uma obra de 20 mil lugares, o principal time da cidade disse que o estádio é grande demais para suas necessidades. “Conseguimos, no máximo, lotar 30 por cento da capacidade, mas não temos condição de bancar a manutenção”, declarou Abdelkarim Bouaziz, executivo do FC San Pedro, que joga pela principal liga do país.
A Costa do Marfim investiu mais de US$ 1 bilhão na organização do torneio, mas também penou para lotar as instalações, levantando dúvidas sobre a necessidade de construir estádios tão grandes para um evento de um mês.
Durante a partida inaugural, com o país sede, o estádio Ouattara estava com lotação de dois terços da capacidade. Já San Pedro se viu com uma grande quantidade de ingressos não vendidos, e a prefeita Nakaridja Cissé resolveu distribuí-los de graça para estimular os moradores a conhecer as novas instalações.