Adaptação de 1994 de “Adoráveis Mulheres” captou emoção do romance
Little Women é certamente o romance mais famoso na carreira da norte-americana
Louisa May Alcott. Publicado em 1868, a obra é tida ao mesmo tempo como uma
(espécie de) biografia da autora e um recorte da família americana de então. Ao
longo dos anos, a história ganhou inúmeras adaptações, tanto no teatro como na
TV; somente no cinema foram sete versões, começando na era dos filmes
silenciosos.
Traduzido para diversos idiomas, no Brasil o livro ganhou o título Mulherzinhas e, somente nos cinemas,
ficou conhecido como Adoráveis Mulheres.
Ambientado entre os anos de 1861 e 1865, durante a Guerra Civil Americana, a
história descreve a vida de quatro irmãs e suas dificuldades do dia a dia. O
pai das meninas, um soldado, está no front de batalha, assim as irmãs
compartilham com a mãe os problemas financeiros e a falta de oportunidades.
Mas, em meio ao drama, existe ali uma família em sintonia. A mãe, a senhora
March, resiste à tristeza, à miséria e à falta do marido, que ela julga ser um
herói de guerra. Para March, deve existir cooperação na busca pela
sobrevivência e na realização dos sonhos. Essa é a lição que ela passa às
filhas: Meg é a mais velha, mais instruída e obediente; Jo quer ser escritora,
mas é inconsequente e ligeiramente impulsiva; Beth, tímida, introvertida e
pacificadora; e Amy é mimada e orgulhosa.
Essas são características constantes nas muitas adaptações cinematográficas, mas cada uma delas traz aqui e ali transformações e revisões de acordo com a conveniência de discursos ideológicos de ocasião. Nesse sentido, a versão de Adoráveis Mulheres feita em 1994 (disponível em streaming pela Claro e locação pela Apple TV) parece ser a mais fiel à obra e ao pensamento de Louisa May Alcott. Convenhamos: em meados do século 19, Alcott não queria exatamente transformar sua obra num libelo sobre o comportamento e as aspirações de independência feminina, muito menos denunciar o machismo, o patriarcado ou qualquer uma dessas bandeiras do atual progressismo. Era isso o que existia, estava lá no mundo real da autora, que simplesmente retrata – de forma impecável e convincente – uma geração, baseada apenas em suas experiências de vida familiar.
Obra maculada em 2019
A diretora australiana Gillian Armstrong prende-se a isso e deixa para o
espectador a tarefa de imaginar-se naquele tempo, permitindo que cada um possa
reagir ao seu modo diante de fatos, cultura e comportamentos que eram comuns
nas gerações que não vivemos. São sensações diversas, que transitam entre a
diversão, o prazer, a emoção ou mesmo a indignação. Para efeito de comparação,
a versão de Adoráveis Mulheres
lançada em 2019, além de alterar a cronologia dos fatos e a personalidade dos
poucos homens da história, elimina a ingenuidade e a fragilidade comuns a todas
as irmãs, dando a elas uma espécie de fortificante, somente para agradar um
grupo específico de jovens que dizem lutar pela independência da mulher. Em
tempo: essa versão foi dirigida por Greta Gerwig, a mesma de Barbie.
Sim, é inegável que Little Women é um clássico da literatura, que promoveu preciosas adaptações cinematográficas: a assinada por George Cukor, a primeira do cinema falado, estrelada pela diva Katharine Hepburn; a versão de 1949, dirigida por Mervyn LeRoy, com as estrelas Janet Leigh e Elizabeth Taylor; ou essa de 1994, que indicamos aqui, com Susan Sarandon, Winona Ryder, Kirsten Dunst e Claire Danes no elenco. Mas, assim como qualquer clássico adaptado e readaptado, nenhum fã genuíno quer assistir a uma obra adulterada, modificada ao bel prazer, com a intenção única de pregar discursos que simulam virtudes. Isso não é adaptação, mas sim reescrever a história.