Ajuste fiscal dificulta governo financiar projetos eleitoreiros
O anúncio do Tesouro de que o governo federal terá para gastar em 2025 um montante extra de R$ 138,3 bilhões em relação ao disponível deste ano, conforme as regras do arcabouço fiscal, seria uma boa notícia para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que quer entregar realizações na segunda metade do seu terceiro mandato com alvos eleitoreiros. O problema é que esse aparente ganho no caixa já está ameaçado pelo avanço desenfreado das despesas fixas do Executivo, o que impõe a necessidade de congelamentos e cortes em quase todos os ministérios.
Economistas preveem que não haverá crescimento de receita suficiente para cobrir os crescentes rombos fiscais e que as contas públicas estarão exauridas até o fim de 2026, conforme já havia alertado a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Nesse quadro de aperto, até mesmo as emendas parlamentares poderão ser represadas, com todo o desgaste que isso acarretaria à gestão petista.
Outro complicador político a ser intensificado pelo desencontro de receitas e despesas é a briga entre os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, por verbas, sobretudo as reservadas para obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Os ministros da Fazenda, Planejamento e Casa Civil, além da titular da pasta da Gestão, de Esther Dweck, já vinham lidando com o aumento das pressões por gastos com foco eleitoreiro, em razão da autorização de Lula para Haddad levar adiante os cortes no Orçamento para ajustar à meta de déficit zero em 2024.
A expectativa é de que o detalhamento dos cortes no Orçamento da União produza embates internos e pontuais, com Rui Costa exigindo a preservação de alguns projetos de investimento em curso das inevitáveis “tesouradas”. Essa tendência deve se repetir nos próximos anos, agravada pela proximidade das eleições de 2026.
Recursos extras no Orçamento servirão para conter avanço do rombo fiscal
Os recursos extras no Orçamento devem-se a mecanismos do arcabouço que permitem ao governo aumentar gastos nos primeiros dois anos de sua vigência. Em 2024, sob a justificativa de compensar a desoneração dos combustíveis de 2022, o governo pode ampliar despesas até o limite máximo permitido, até 2,5% acima da inflação. Em 2025, um crédito suplementar gerado pela inflação do segundo semestre de 2023 pode ser incorporado à base de gastos.
Para o cientista político Ismael Almeida, o governo encontra-se em uma situação difícil, na qual é praticamente impossível realizar qualquer entrega relevante até 2026. “Tudo indica que o objetivo agora passou a ser impedir um prolongamento dos sucessivos déficits fiscais, sob o risco de o governo se inviabilizar de vez”, afirmou.
Em sua opinião, para manter a máquina pública funcionando com os gastos obrigatórios, os R$ 138,3 bilhões acrescidos no Orçamento de 2025 já estão comprometidos com a tentativa de equilibrar as contas.
“Com isso, não há novas realizações em tempo de serem capitalizadas na eleição presidencial. Algo que poderia impulsionar esse objetivo seria justamente as grandes obras do PAC, mas o programa também já está sendo contingenciado”, observou.
O maior entrave para o governo se beneficiar dos aumentos de receita e acessar os recursos adicionados ao Orçamento está no fato de que os ganhos precisam acomodar a expansão de benefícios obrigatórios, assim como as demandas por investimentos diretos e gastos livres, também chamados de discricionários, além de emendas parlamentares, e os mínimos constitucionais de Saúde e Educação.
Nesse sentido, um dos principais pesos sobre o Orçamento é o aumento do salário-mínimo, ao custo de R$ 35,3 bilhões, enquanto a correção dos benefícios acima do piso pode adicionar R$ 19,5 bilhões.
Os cálculos do Tesouro Nacional consideram um salário-mínimo de R$ 1.502 para o próximo ano e um Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 3,65%. Cada R$ 10 acrescido ao piso representa impacto de R$ 3,92 bilhões nas despesas federais. E cada ponto percentual no INPC amplia os gastos em R$ 5,34 bilhões. Esses números não levam em conta ainda o aumento do número de beneficiários dessas políticas sociais.
Em maio, o governo atingiu a marca de 40 milhões de benefícios emitidos pela Previdência e pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), um crescimento de 5,5% em relação a maio de 2023.
Haddad anunciou a necessidade de cortar R$ 25,9 bilhões em benefícios previdenciários e assistenciais para manter os gastos dentro dos limites do arcabouço fiscal para 2024. A economia será obtida por meio de um pente-fino em benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e BPC.
Com a proposta orçamentária de 2025 tendo de ser enviada pelo Executivo ao Congresso até 31 de agosto, a ministra Simone Tebet prometeu detalhar as medidas em entrevista coletiva nos próximos dias. Ocorre, contudo, que o desempenho estimado das contas públicas tem piorado. Na última semana, o governo revisou a sua projeção para este ano de déficit primário, a diferença entre receitas e gastos antes do pagamento de juros, de R$ 27 bilhões para R$ 61 bilhões.
Corte de R$ 15 bilhões é insuficiente para equilibrar contas, alerta órgão do Senado
Marcus Pestana, diretor-geral do Instituto Fiscal Independente (IFI), destacou a queda nos investimentos federais e o engessamento do Orçamento como fatores que impactam negativamente a taxa de crescimento da economia e a escalada da dívida pública no Brasil. Em recente entrevista ao Correio Braziliense, ele enfatizou que, para o desenvolvimento do país, é crucial focar em investimentos estratégicos e parcerias público-privadas, em vez de apenas estimular o consumo.
Pestana comentou que o corte de R$ 15 bilhões no Orçamento, anunciado pelo governo para 30 ministérios, é insuficiente para atingir a meta de zerar o déficit. O IFI estima que seriam necessários R$ 57 bilhões para conter o aumento da dívida federal. Ele alertou que, embora o governo tenha margem de tolerância para acumular um déficit de até 0,25% do PIB em gastos primários neste ano, a tendência ainda é de um estrangulamento das contas públicas até 2027.
Ele também ressaltou que as despesas obrigatórias, como salários de servidores e Previdência, estão comprimindo despesas que incluem investimentos em áreas como saúde e educação, e aumentando a dependência de dívidas para pagar juros.
Descontrole das contas públicas inibe investimento privado
O analista financeiro Vandyck Silveira observou que, desde o início do governo, os números macroeconômicos apontam para a escassez de caixa federal. “Fica óbvio que a conta não fecha”, resumiu. Ele destacou que, enquanto o PIB cresce a uma taxa de 2,1%, o gasto público está aumentando a 15%, com o total de despesas do governo alcançando R$ 3,7 trilhões, o que representa um quinto do PIB.
“Mesmo com esforços para contingenciar R$ 15 bilhões, o gasto anual cresce ao menos R$ 200 bilhões. Só a Previdência Social já consome quase R$ 1 trilhão, e programas como o Bolsa Família e o BPC somam R$ 500 bilhões”, sublinhou.
Ele salienta que, sem cortes substanciais, não há cenário sustentável que permita ao país retomar uma capacidade sustentável de investimento público e privado.