Congresso tem de ter coragem para promover mudanças no TSE, diz jurista


A imprensa independente, juristas e políticos de centro-direita vêm criticando as mais recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que censuraram veículos de comunicação de viés conservador durante as eleições.

Uma das medidas mais controversas da Corte é a Resolução 23.714, aprovada 10 dias antes do segundo turno. A norma permitiu ao TSE retirar da internet supostas fake news sem acionar o Ministério Público Eleitoral.

Agora, passada a eleição, o TSE continua se baseando nessa resolução para derrubar contas de pessoas que apenas solicitaram esclarecimentos sobre denúncias de “anomalias” na votação, como o economista Marcos Cintra. Especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, o advogado Marcellus Ferreira Pinto analisou a atuação do TSE na disputa eleitoral. Para ele, o tribunal cometeu inconstitucionalidades em suas decisões e defendeu mudanças no Judiciário, por meio do Congresso Nacional.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Marcellus TSE
Marcellus Ferreira Pinto, especialista em Direito Eleitoral: ‘Quando a censura recai sobre um órgão de imprensa adquire contornos hediondos devido’ | Foto: Divulgação/Acervo Pessoal

1 – O que são as resoluções do TSE?

O artigo 1º da Lei 4.737/65 do Código Eleitoral autoriza o TSE a regulamentar as eleições por meio de resoluções. Os contornos formais e materiais desses dispositivos deveriam ter sido discutidos pelo Congresso Nacional, por meio de uma emenda, mas o foram no Supremo Tribunal Federal, no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3.999 e 4.086. Esses dispositivos regulamentaram a perda do mandato eletivo pela chamada “infidelidade partidária”. Naquela ocasião, o plenário do STF ratificou as duas resoluções e reafirmou a competência do TSE para regulamentar as eleições por meio de suas resoluções. Sendo assim, embora sem previsão constitucional, as resoluções do TSE possuem “força de lei”.

2 – O STF reconheceu a constitucionalidade da Resolução 23.714 em medida cautelar. Ela valerá para as próximas eleições?

Sim. No caso de haver discordância quanto à resolução em si e quaisquer outras proferidas, o artigo 121, parágrafo 3º da Constituição, estabelece que determinadas decisões do TSE são passíveis de recurso no STF. Nessa hipótese, ao menos três ministros se tornariam “suspeitos” para o julgamento do processo, uma vez que também ocupam um lugar no colegiado do TSE que deu a decisão questionada por alguém. Esta simetria é algo indesejável, sob a ótica da segurança jurídica. Portanto, há de se discutir se ministros do STF devem ter assentos no TSE.

3 – Com base nessa resolução, vários perfis nas redes sociais foram derrubados. Isso é permitido?

A medida é flagrantemente inconstitucional, porque o TSE não pode criar ou modificar suas próprias competências, tampouco ir na contramão do que prevê o artigo 5º, inciso VIII, da Constituição, que estabelece que ninguém será privado de direitos por motivo de convicção política. Além disso, o artigo 220, parágrafo 2º da Carta Magna, veda qualquer tipo de censura de natureza política, ideológica ou artística. Os efeitos das decisões proferidas com base na Resolução 23.714 têm de ser imediatamente suspensos, sob pena de perpetuação de uma flagrante violação à ordem constitucional, com usurpação de competência privativa da União, prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição.

4 – Pode-se derrubar contas em redes sociais, em processo sigiloso, sem notificação prévia ou direito de defesa do suspeito de propagar notícias falsas?

A questão central está no alto grau de subjetividade de determinados conceitos jurídicos, como o de fake news”, cujos contornos não são bem definidos no Direito. Não me parece razoável, ou constitucionalmente defensável, uma decisão que proíba os eleitores e os meios de comunicação de manifestarem livremente sua opinião, inclusive nas redes sociais, acerca de fatos notoriamente documentados no Brasil e no mundo, como os escândalos de corrupção ocorridos em governos anteriores. Esse tipo de manifestação crítica deveria ser estimulado pelos guardiões das eleições, a exemplo do que ocorreu em pleitos anteriores.

5 – Na sua opinião, como o TSE conduziu as eleições nos quesitos transparência e liberdade de expressão?

Embora tenha havido acertos em algumas decisões, em sua maioria, as decisões do TSE trouxeram grande insegurança jurídica e imprevisibilidade para o futuro político do país. Instituições são formadas por pessoas e pessoas estão sujeitas a erros e acertos. A questão ganha relevância quando a pessoa que erra usa toga e tem o poder de, monocraticamente, decidir os rumos da nação. A imparcialidade do juiz é uma ficção criada pelo Direito, pois juízes são seres humanos e, como tais, possuem convicções, inclusive de ordens ideológicas e políticas. Houve assimetria no tratamento dispensado aos candidatos, como, por exemplo, quando o TSE proibiu meios de comunicação de se referirem a fatos políticos que resultaram em condenações criminais homologadas pelo STF. A censura, quando dirigida ao eleitor, é algo intolerável. Quando recai sobre um órgão de imprensa, adquire contornos hediondos. O Congresso Nacional tem de ter coragem de promover uma profunda alteração no funcionamento dos tribunais superiores, especialmente o STF e o TSE.

Leia também. Os devotos da ditadura, artigo do J. R. Guzzo, publicado na Edição 138 de Oeste.





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