Decisão sobre Uber traz insegurança jurídica e revela ativismo judicial
A decisão de um juiz de primeira instância de multar a Uber em R$ 1 milhão por danos coletivos e obrigar a contratação de todos os motoristas foi vista com surpresa e preocupação por parte de especialistas em mercado de trabalho e advogados trabalhistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
A sentença, assinada pelo juiz Mauricio Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, tem abrangência nacional e foi proferida em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), em 2021. Foi a primeira decisão favorável de uma leva de ações ajuizadas pelo MPT-SP contra aplicativos de transporte, pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício de motoristas e entregadores.
Segundo o juiz, a Uber terá o prazo de seis meses após o trânsito em julgado da ação (quando esgotarem os recursos) para o cumprimento das determinações. Os novos profissionais também deverão, segundo o magistrado, ser enquadrados na CLT. A Uber já divulgou em nota que vai recorrer da decisão.
Para o economista José Marcio Camargo, especialista em relações do trabalho e sócio do Banco Genial, a decisão vai na contramão das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que já consideraram a inexistência de vinculo empregatício entre a plataforma e os trabalhadores. “A Uber é uma forma alternativa de ligar o passageiro, que demanda o serviço, ao motorista, que o oferece”, explica. Não há nenhum sentido em engessar e burocratizar a relação”.
Para ele, os critérios necessários para a configuração do vínculo empregatício não existem. Não há hierarquia ou subordinação, já que os motoristas podem definir a quantidade de horas a trabalhar, aceitar ou rejeitar corridas ou mesmo desligar o celular, sem estar sujeitos a penalizações. “Quem paga o serviço é o passageiro. Se há vinculo, é entre ele e o motorista”.
Decisão traz insegurança jurídica e afasta investimentos
Da mesma forma, o advogado trabalhista Pedro Chicarino, sócio do Chicarino, Quaresma & Tanaka Advogados, classifica a decisão como “altamente temerária” porque pode se estender a outras plataformas virtuais. “A sentença está totalmente fora da realidade do mercado de trabalho, que tem sofrido impactos disruptivos com as inovações tecnológicas”, afirma.
Ele lembra que já houve algum avanço com a reforma trabalhista e a lei de terceirização, mas novas adequações serão necessárias. “Não há lógica em atrelar a nossa CLT, que tem 80 anos, às novas condições do trabalho”. Chicarino acredita que a decisão será revertida, mas ressalta a insegurança jurídica. “Muitas empresas estão de olho nessa decisão e podem desistir do país, num momento em que precisamos tanto de novos investimentos”.
Para ele, que analisou a sentença do juiz, a argumentação traz entendimento equivocado ao enxergar o critério de subordinação, necessário para o reconhecimento de vinculo, à metodologia de avaliação e à manutenção de dados pessoais dos motoristas, condicionando a execução do serviço aos cadastrados. “São medidas de segurança, que não poderiam ter execução diferente”.
Motoristas não têm interesse na contratação, diz ministro do TST
Segundo o jurista Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as decisões da 4a. Turma do TST, que ele integra, não reconhecem o vínculo empregatício entre o trabalhador de plataforma digital e a operadora. Principalmente pelos contratos não atenderem ao requisito de subordinação. “A opção do trabalhador de se colocar disponível ou não para a corrida é típico de trabalho autônomo e não de vínculo de emprego”, reforça.
O ministro acredita que a sentença será revista, já que, caso não seja, a Uber deixaria imediatamente o Brasil. Ele revela que 85% dos aproximadamente 700 mil motoristas do aplicativo manifestaram não ter interesse na regime de contratação.
Para Camargo, caso seja confirmada, a decisão prejudicaria não só os trabalhadores, mas o país e a sociedade, que já incorporou o novo meio de transporte. “Todos usam porque é bom. Para a empresa, para o motorista e para o cliente”, afirma.
Rodrigo Marinho, presidente do Instituto Livre Mercado e diretor-executivo da Frente Parlamentar do Livre, também se diz confiante na reversão da sentença. Ele acredita que a leva de ações contra a Uber se deve ao fato da empresa ter sido o first player (primeiro ator) do mercado de transporte individual por plataforma. “Há uma serie de projetos de lei tentando regular este mercado. Tem um preconceito com empresa estrangeira no país e também a ideia equivocada de que regulação vai corrigir as coisas. Mas o que funciona é o mercado livre”, avalia.
Preocupação maior é com o ativismo judicial
Para Camargo, o mais preocupante da decisão é o fato de o Judiciário no país, mais uma vez, estar “fazendo” as leis. “Alguns juízes têm decidido não com base na lei, mas no que gostariam que estivesse na lei. Isso é totalmente autoritário”, afirma.
Segundo ele, o Supremo Tribunal Federal (STF) também tem feito isso com alguma frequência. “O STF dá o exemplo e está sendo seguido. A Justiça, a partir do Supremo, está se dando ao direito de legislar”.
A mesma opinião é corroborada por Gandra Filho, grande crítico do ativismo judicial, o que “hoje é uma pandemia no Brasil”. Para ele, o propósito do legislador não vem sendo mais considerado e sim o juízo do intérprete. “É o maior ato antidemocrático possível, pois está se substituindo a vontade do representante eleito pelo povo pela vontade de um técnico. A democracia é o governo de leis. O ativismo judicial é o governo de homens”, critica.
Ele considera que o STF tem incorporado a tese do “neoconstitucionalismo” ou “voluntarismo jurídico”, em que o juiz busca um protagonismo maior no ordenamento jurídico. “Os frutos amargos desta posição são a insegurança jurídica e a desestruturação da sociedade em seus valores”, salienta o ministro.