Desce mais uma rodada – Grupo Amanhã


O robô-garçom da hamburgueria já foi apelidado de Beto

“Ô ‘seu’ garçom, faça o favor/De me trazer depressa…”

Se Noel Rosa (1910-1937) frequentasse certa hamburgueria de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, poderia perfeitamente fazer todos os pedidos a um atendente de carne e osso, como em sua famosa “Conversa de Botequim”, mas quem se encarregaria de levá-los à mesa – café fresco, pão bem quente com manteiga à beça, guardanapos e água gelada – seria um robô. Sim, um carrinho eletrônico que, devidamente programado, conduz as bandejas de lanches da cozinha aos comensais.

O uso de robôs em substituição a humanos para atendimento ainda é uma novidade. Anos atrás, um hotel em Tóquio apostou em uma brigada totalmente constituída por eles e não deu certo, devido a falhas de serviço e problemas de manutenção. Mas o princípio que norteou a tentativa continua válido: carência de mão de obra somada a serviços padronizados e interações previsíveis permitem a troca de homens por máquinas. Não sem consequências, claro.

A mais evidente: a eventual resistência da clientela. Interagir com um robô humanoide em um balcão pode soar estranho e constrangedor, mesmo para povos super acostumados com a automação, como os japoneses. Uma colunista espanhola foi taxativa: “não quero robôs, quero garçons com direito a errar”.

Este pode ser um estranhamento geracional, contudo. Acostumados a pedir comida por aplicativo, sem diálogos telefônicos, os jovens de hoje talvez preferissem terminais de autoatendimento a recepcionistas ou garçons.

Principalmente se houver um esforço de humanização dos equipamentos por parte de fabricantes, pois, de parte dos usuários, certamente haverá. O garçom da hamburgueria, por exemplo, já foi apelidado de Beto – e nem feições humanas tem. Em fábricas e centros de distribuição americanos, eles também recebem nomes e são alvos de perguntas e agradecimentos dos funcionários, embora não estejam programados para responder. Nada surpreendente para quem viu Tom Hanks desenhar boca e olhos numa bola de vôlei em “O Náufrago” (2000) ou já presenciou conversas de usuários com a Alexa, a assistente digital da Amazon: a antropomorfização é inevitável.

Quão inevitável? Bem, ainda não sabemos. Boêmio inveterado, Cazuza (1958-1990) costumava dizer que tinha amigos de todos os tipos, mas, sobretudo, “muito amigo garçom”. Reginaldo Rossi dedicou à categoria uma famosa canção-desabafo e Samuel Rosa, do Skank, listou todos os apelidos pelos quais o profissional poderia ser invocado na hora da “saideira”.

Será que um robô estaria pronto para responder ao chamado de “chefia”, “amigão”, “tio”, “brother” ou “camarada”?





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