desgaste no governo e no mercado



Após protagonizar uma das maiores crises do governo atual por conta da medida para fiscalização do Pix, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entrou na mira do governo, da oposição e do mercado financeiro. Além de levar um “puxão de orelha” indireto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), virou alvo preferencial da oposição, perdeu credibilidade no mercado e ainda se vê às voltas com uma queixa-crime apresentada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

“Houve um desgaste muito grande”, avalia Daniel Teles, especialista da Valor Investimentos. “O ministro tem estado num fogo cruzado.”

O estopim da crise foi a repercussão negativa da medida provisória da Receita Federal que determinava que fintechs e operadoras repassassem ao Fisco dados das transações via Pix e cartões. O assunto tomou as redes sociais e a oposição surfou a onda. Um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) criticando a medida rodou o país e o mundo.

O governo atribuiu o desgaste a “fake news” sobre a taxação da ferramenta, mas o argumento não convenceu nem arrefeceu as críticas. A Receita foi obrigada a revogar a MP, num recuo que consolidou o desgaste do ministro no governo.

Ministro leva “bronca” indireta

Em reunião na segunda-feira (20), sem citar Haddad, Lula reclamou do episódio e proibiu os ministros de editarem novas portarias sem consultar a Casa Civil.

“Daqui para frente nenhum ministro vai poder fazer portaria que crie confusão para nós sem que essa portaria passe pela Presidência da República através da Casa Civil”, disse o mandatário a seus ministros. “Muitas vezes a gente pensa que não é nada, mas alguém faz uma portaria, faz um negócio qualquer, e daqui a pouco arrebenta e vem cair na Presidência da República.”

Lula também disse que vai conversar individualmente com cada ministro sobre as ações programadas para as pastas. A fala foi vista como aviso sobre possíveis substituições, amplificando especulações sobre a reforma ministerial.

Preocupado com a repercussão, Lula teria dito que a “bronca” não era endereçada ao ministro da Fazenda. Rui Costa, ministro da Casa Civil, adversário de Haddad em disputas internas, minimizou o ocorrido e disse, após a reunião ministerial, que o ministro saiu “mais forte do episódio”.

“Haddad não saiu enfraquecido. O que se montou foi uma notícia facciosa, mentirosa para tentar aterrorizar a população. O governo já afirmou que, em hipótese alguma, foi pensado taxar o Pix. Às vezes, um episódio como esse acende que é preciso estar afinado, então saímos mais fortes, o ministro Haddad saiu mais forte.”

Entrevista piora situação de Haddad

Para os analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a situação do ministro piorou ainda mais com uma entrevista dada à CNN. Na ocasião, Haddad driblou as perguntas sobre a alta da trajetória da dívida pública, minimizou a crise de confiança do mercado financeiro e atribuiu à crise do Pix a fake news sobre a taxação da ferramenta.

“Ele ficou ‘feio na foto’ quando foi dar uma entrevista e insistiu numa história que não é a história verdadeira”, diz o economista Denis Medina, professor da FAC-SP. “As pessoas não estavam preocupadas com taxação do Pix, mas com a taxação de sua renda, e de forma errada.”

Na mesma entrevista, Haddad acusou o partido de Jair Bolsonaro, o PL, de estar por trás do vídeo de Nikolas Ferreira. O ex-presidente afirmou que irá processar o ministro, que também acusou o governo anterior pelo desequilíbrio das contas públicas, ampliando a repercussão negativa.

“A questão dos gastos é assunto de governo”, diz o cientista político Sérgio Praça. “Um ministro que só culpa os outros pelos problemas e a roga para si só as boas notícias perde toda credibilidade. Não faz sentido.”

Sem ser questonado a respeito, o ministro também atacou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pelo episódio das “rachadinhas” em seu gabinete, numa alusão à necessidade de controle da Receita Federal sobre as transações.

“Agora o Flávio Bolsonaro tá reclamando da Receita. Ele não pode reclamar da Receita, ele foi pego pela Receita”, afirmou. “Então não adianta esse pessoal que comprou mais de 100 imóveis com dinheiro de ‘rachadinha’ ficar indignado com o trabalho sério que a Receita está fazendo. O Flávio Bolsonaro, em vez de criticar o governo, deveria se explicar, como que ele, sem nunca ter trabalho, angariou um patrimônio espetacular.”

Em resposta, Flávio Bolsonaro apresentou queixa-crime contra o ministro no Supremo Tribunal Federal (STF) por calúnia, injúria e difamação. A Justiça do Rio de Janeiro arquivou a denúncia contra o senador em 2022. Flávio também entrou com uma ação por danos morais no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) pedindo indenização e o pagamento das custas processuais.

Na última terça-feira (21), o ministro do STF André Mendonça deu 15 dias para Haddad se manifestar no processo.

Credibilidade já vinha arranhada

A falta de comprometimento com o ajuste, aliada à comunicação atrapalhada do governo, acirrou a crise de confiança e recaiu sobre o ministro.

“Haddad é a figura símbolo, o ‘rosto’ de um pacote que não caiu bem”, diz Teles. “Além disso, ele ficou dividido entre credibilizar o pacote junto ao mercado e as pressões de Lula, para não se perder no âmbito populista do negócio. Mas não conseguiu negociar bem com o mercado, prova disso é o quanto que a bolsa [de valores] caiu nesses últimos tempos.”

Praça acredita que o episódio representou “uma encrenca” para o ministro. “Na prática, o governo mentiu que ia mandar o projeto sobre o tema no ano passado, mas não mandou”, diz. “[Haddad] se envolveu em encrenca e mentira.”

Para piorar a situação do ministro, João Pedro Leme, da consultoria Tendências, lembra que o titular da Fazenda enfrenta permanentemente o “fogo amigo” da ala mais à esquerda do Partido dos Trabalhadores. “Você tem um embate com a ala mais política, mais ideológica do PT que tem visão de economia que não entende a contenção de gastos como algo desejável nesse momento”, diz.

Leme destaca que têm recaído sobre o ministro os erros de comunicação do governo na economia. “O governo não tem sabido se comunicar no tempo certo e nem de forma eficiente em assuntos econômicos”, afirma. “Um exemplo foi aquela postagem que o Lula fez fazendo Pix para o Corinthians. Apesar de eu entender um pouco o propósito, não auxiliou na compreensão efetiva do assunto.”

Mercado fincanceiro teme susbtituição

Medina acredita que o ministro não deve cair porque não tem substituto. “O mercado ficanceiro acha que, ‘ruim com ele, pior sem ele'”, diz o economista.

Declaração neste sentido foi dada pelo presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Isaac Sidney. Demosntrando preocupação com o desgate do ministro, Sidney disse que Haddad esta precisa ser “legitimado”.

“Nós precisamos, o Brasil, legitimar o ministro da Fazenda. Precisamos de um ministro da Fazenda forte, que possa realmente nos ajudar a seguir para o equilíbrio das contas públicas”, defendeu nesta quinta-feira (23) durante o Brazil Economic Forum, promovido pelo Lide – Grupo de Líderes Empresariais, em Zurique, na Suíça.

Nesse cenário, Haddad caminha para sofrer maior pressão da oposição no Congresso neste ano pré-eleitoral. Sem ajuste fiscal à frente e com juros, câmbio e inflação sob pressão, a ideia dos parlamentares é desgastar o responsável pela política do governo.

Segundo a CNN, Haddad também estará na mira dos influenciadores da direita porque a oposição avalia que o presidente Lula pode, eventualmente, não se candidatar à reeleição e o ministro da Fazenda seria o mais provável substituto.

Sergio Praça não acredita nessa possibilidade. “Haddad não teria apoio do PT nem dos partidos do Centrão”, afirma. “Também não tem popularidade e duvido que ele queira. Além disso, e principalmente, Lula ainda segue candidatíssimo.”



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