Ditador da Venezuela volta à cena internacional


Ao mesmo tempo em que anuncia a reabertura das negociações com a oposição para agendar eleições livres, o ditador venezuelano Nicolás Maduro começou a reaparecer no cenário internacional, pessoalmente, ou por meio de emissários. O diálogo com adversários políticos é uma imposição dos Estados Unidos para conceder licença à petrolífera californiana Chevron para voltar a atuar na Venezuela.

A aparição internacional mais recente de Maduro foi na Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP27, em Sharm El Sheikh, no Egito, onde foi registrado seu encontro com um sorridente presidente da França, Emmanuel Macron, que no passado, tinha chamado Maduro de ditador e apoiado os esforços da oposição para derrubar o regime chavista.

Nessa conferência, o político sul-americano também teve um rápido encontro com o enviado dos EUA, John Kerry, e com o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e se juntou a outros líderes mundiais para uma foto em grupo — todas publicadas em redes sociais e na imprensa estatal oficial venezuelana. É o caso dessas imagens, da COP 27.

Com o país mergulhado em inflação, falta de produtos básicos, recordes no número de migrações e uma crise que se arrasta e se aprofunda desde 2013, quando Hugo Chávez morreu, Maduro tenta sair do isolamento e buscar formas de “salvar” o país, seja com a baixa das sanções seja com novos acordos. No início deste ano, o ditador visitou alguns países do Oriente Médio e da Europa para fortalecer os laços com aliados.

A viagem ao Egito foi a primeira vez que ele participou de um evento patrocinado pela ONU desde 2018, quando começou seu isolamento em Miraflores e passou a ser considerado persona non grata no cenário internacional. Naquele ano, Maduro “venceu” as eleições presidenciais.

“Sem dúvida alguma o país mais isolado do nosso continente era a Venezuela e o Maduro”, afirmou o analista de relações internacionais Pedro Rafael Roja Mariano de Azevedo, autor do livro A Venezuela e o chavismo em perspectiva, em parceria com Paulo Afonso Velasco Júnior.

Acusado de fraude e de perseguição sistemática aos adversários, seu novo governo não foi reconhecido por cerca de 50 países e organizações internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a União Europeia e os Estados Unidos. Essas nações e organismos — alguns até hoje, como Estados Unidos, Brasil e OEA — consideram Juan Guaidó, o então presidente da Assembleia Nacional, que se autoproclamou presidente interino em janeiro de 2019, quando Maduro tomou posse, como chefe de Estado da Venezuela.

Macron e Maduro em clima amistoso, no Egito |
Foto: Divulgação/Palacio de Miraflores

Entretanto, muitos países da região, como Argentina, Chile e Colômbia, reconhecem o governo do ditador venezuelano. Ao tomar posse em agosto, Augusto Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia, reabriu as fronteiras e retomou a diplomacia com a Venezuela. A União Europeia e outros países voltaram a considerar Maduro como chefe de Estado.

Até mesmo o Brasil, com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), deverá tomar esse caminho, além de reabrir todos os canais diplomáticos, fechados no governo de Jair Bolsonaro (PL).

“O Lula certamente  vai influenciar bastante o mercado brasileiro para a Venezuela”, disse Azevedo. “Existem várias razões para isso e a principal delas é que a situação da fronteira do Brasil está virando um grave problema social.”

Entretanto, não se espera que o Brasil seja um crítico quanto às possíveis violações de direitos humanos no país fronteiriço, sob investigação no Tribunal Penal Internacional por supostos crimes contra a humanidade. “Não tenho muito otimismo com a possibilidade de o Brasil ser muito ativo com relação à denúncia, à crítica da situação de direitos humanos na Venezuela. Na verdade, pode acontecer o contrário. Pode haver uma tolerância”, declarou o cientista político venezuelano William Clavijo Vitto.

Sob o governo de Maduro houve migração em massa não apenas para o Brasil, mas especialmente para os Estados Unidos.  Segundo a ONU, o regime de Maduro gerou mais de 7 milhões de refugiados, perdendo apenas para a saída da Ucrânia.

Para além da América do Sul, a licença do governo de Joe Biden para a Chevron explorar petróleo na Venezuela também ganhou destaque nos últimos dias. Internamente, os conservadores norte-americanos criticam a política externa do democrata, que poderia fortalecer o regime ditatorial, investigado por crimes contra a humanidade ao perseguir a oposição.

“O governo Biden deveria permitir que os produtores de energia americanos liberassem a produção doméstica em vez de implorar aos ditadores por petróleo”, escreveu no Twitter a deputada republicana Claudia Tenney, de Nova Iorque.

O governo de Biden também suspendeu recentemente as sanções contra um dos sobrinhos da esposa de Maduro e libertou dois outros sobrinhos condenados em um tribunal americano por tráfico de drogas, como forma de encorajar Maduro a retomar as negociações com a oposição.

Entretanto, há uma ponta de otimismo na decisão de Biden, que condicionou a licença ao retorno das negociações entre Maduro e a oposição para que eleições livres e democráticas sejam realizadas o mais breve possível. O mandato do ditador, obtido nas eleições fraudadas de 2018, vai até 2024.

O governo de Biden disse que o interesse maior do país não é petróleo, mas, sim, de um pacote de medidas para apoiar a restauração da democracia na Venezuela.

“Essa licença tem um significado positivo”, disse Vitto. “É muito importante para o mercado de petróleo”, acrescentou, ressaltando, que pelo acordo divulgado, os lucros da venda de petróleo não usados para pagamento de impostos ou royalties para a Venezuela, o que impediria o financiamento da ditadura. Toda a arrecadação será para que a Petrolífera da Venezuela (PdVSA) pague dívidas bilionárias antigas com a Chevron.

Em termos de mercado de petróleo, a quantidade a ser explorada no novo acordo —não se sabe ao certo se 100 mil ou 200 mil barris diários — não é significativa para aplacar a crise mundial. Hoje a Venezuela produz cerca de 700 mil barris por dia, valor muito inferior aos 3 milhões da década de 1990.

“Se Maduro novamente tentar usar essas negociações para ganhar tempo para consolidar ainda mais sua ditadura criminosa, os Estados Unidos e nossos parceiros internacionais devem retirar toda a força das negociações”, disse o senador democrata Robert Menendez, de Nova Jersey, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Não pode haver concessões unilaterais ou maior normalização de um ditador do narcotráfico que comete crimes contra a humanidade enquanto cria a pior crise humanitária em nosso hemisfério.”

Mesmo com as “garantias” do governo norte-americano, Azevedo não está muito otimista quanto às negociações para eleições livres porque “várias tentativas foram feitas ao longo de 20 anos” e nada mudou. “Maduro foi derrubando os opositores, um a um”, declarou. “De que adianta ter uma mesa de diálogo entre oposição e governo se, quando chega a eleição, não se pode ter candidatos opositores e quando tem, são perseguidos?”. Para o analista político, a nova rodada de negociações é mais um jogo de cena, para fazer parecer um “jogo democrático”, do qual a própria oposição faz parte.

Leia também: Eu sou você amanhã, reportagem sobre como eram a Venezuela e outros países antes do socialismo, publicada na edição 125 de Oeste.





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