Em “Justiça para Todos”, dilemas do Direito são colocados à prova



É no mínimo curioso, se não realmente estranho, que Justiça para Todos seja frequentemente
descrito como uma obra satírica sobre as entranhas dos tribunais de justiça. O
filme, que pode ser encontrado nas plataformas Google Play, Prime Video e Apple
TV para compra ou locação, possui elementos que o insere em diferentes estilos
ou gêneros, mas passa longe da zombaria ou da mínima tentativa de ridicularizar
o tema e os personagens que o habitam. A confusão, provavelmente, ocorre por
conta de uma declaração dada pelo próprio diretor Norman Jewison nos
comentários em áudio do DVD, em que define o filme como uma comédia
aterrorizante – o que não guarda qualquer sinonímia com sátira.

Escrito a quatro mãos, por Valerie Curtin e Barry
Levinson, o roteiro de Justiça para Todos
tenta estabelecer a linha fina que separa o Direito da Justiça de fato. Para o
advogado Arthur Kirkland (Al Pacino), honestidade e profissionalismo são imperativos.
Seu idealismo é tamanho que, muitas vezes, a defesa que busca para seus
clientes o coloca em posição de enfrentamento e desentendimento com colegas
advogados e até mesmo com juízes, como ocorre com Henry T. Fleming (John
Forsythe), o mais linha dura e inflexível da Corte. Em determinada audiência,
Kirkland utiliza-se de toda a sua tenacidade na tentativa de libertar um homem
condenado a 18 anos de cadeia por um crime que não cometeu. Mas acaba
extrapolando no discurso. O juiz Fleming, irredutível e de certa forma
vilanesco, manda prender Kirkland por desacato.

Trata-se somente de uma reprimenda e rapidamente o advogado estará solto, mas ainda mais convicto de seus ideais e valores éticos e morais. Kirkland, que sempre seguiu os conselhos do avô Sam (Lee Strasberg), agora vivendo num internato por conta do Alzheimer, entende que ser um profissional do Direito é conhecer e saber transitar por um tortuoso caminho em que os obstáculos são a imoralidade e a ilegalidade. É o que irá conhecer na prática quando, ao voltar ao trabalho, o advogado recebe a notícia de que o juiz Fleming foi preso sob a acusação de estupro. Mais: o magistrado, conhecendo as habilidades e o esforço hercúleo de Kirkland para perseguir a Justiça, o quer justamente como seu advogado de defesa. A reação imediata é de recusa, dada a rivalidade e um certo ódio entre eles, mas o juiz usa um golpe baixo: promete rever o caso no qual Kirkland busca a liberdade de seu cliente preso.

Ambiente tóxico

O roteiro de Justiça
para Todos
trabalha basicamente com esses dilemas que são colocados à prova
no universo jurídico. No entanto, o que vemos é um ambiente tóxico, cruel e
doentio, que aos poucos vai contaminando a tudo e a todos. Não é por acaso que
a namorada de Kirkland, a também advogada e membro do conselho de ética, Gail
Packer (Christine Lahti), vive tendo crises psicóticas. É assombroso saber que
o melhor amigo e sócio no escritório de Kirkland, Jay Porter (Jeffrey Tambor),
acaba enlouquecendo e tirando a própria vida ao descobrir que, logo após libertar
um cliente acusado de homicídio, o mesmo mata duas pessoas assim que coloca os
pés nas ruas. Não dá para ignorar o descontrole e a insanidade de outro juiz,
Francis Rayford (Jack Warden), que a todo momento coloca-se em situação de
risco letal quando escolhe fazer um lanche na soleira de um alto edifício,
experimentar manobras radicais com um velho helicóptero ou então enfiar o cano
de uma espingarda carregada na boca.

Por tudo isso, Justiça para Todos afasta-se completamente de qualquer vestígio da sátira ou da comicidade. Ao contrário, reflete muito bem que, para aqueles que têm a prerrogativa da justiça, antes de tudo é necessário encontrar o equilíbrio para fazer valer o real significado de um sistema judiciário, muitas vezes frágil e incapaz de compreender a fragilidade humana. Isso é trágico, para dizer o mínimo.



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