Em “O Expresso da Meia-Noite”, a progressista Hollywood abranda o ilícito
No dia 6 de
novembro de 1970, o jovem turista americano Billy Hayes, de apenas 20 anos de
idade, está no aeroporto internacional de Istambul, Turquia, prestes a embarcar
de volta aos Estados Unidos. No entanto, amarrado por todo seu corpo, Hayes
carrega dois quilos de haxixe (uma potente resina extraída da folha da
maconha). Preso em flagrante, inicialmente a Justiça local sugere um acordo de
redução da pena caso ele colaborasse indicando as pessoas de quem teria
comprado a droga. Honesta ou não, o fato é que Hayes ignora a proposta de
acordo e tenta fugir, mas logo é recapturado. E o que seria uma pena de quatro
anos vira uma sentença de prisão perpétua.
O que
acompanhamos em O Expresso da Meia-Noite
(disponível na Netflix e por locação via Apple e Google Play) é uma verdadeira
jornada ao inferno, quando Billy Hayes, interpretado por Brad Davis, é jogado
numa prisão imunda e inóspita. O ambiente é de puro terror e podridão, onde
ninguém pode confiar em ninguém – e muito menos na polícia corrupta,
extremamente violenta e sádica. A violência não é só física por conta das
constantes sessões de tortura, mas também psicológica, levando muitos à
completa devastação mental.
A história, baseada em fatos, é narrada no livro Midnight Express, escrita pelo verdadeiro Billy Hayes e transformada em filme em 1978. O roteiro é assinado pelo então estreante Oliver Stone, que não somente inclui firulas dramáticas como modifica diversas situações descritas no livro – inclusive aquela da tentativa de fuga da prisão num trem chamado Expresso da Meia-Noite e que dá título ao filme. Tudo tem o objetivo de potencializar a sensação de injustiça cometida pelas truculentas autoridades turcas e, evidentemente, fazer o público se solidarizar com o sofrimento do personagem central.
Proibido na Turquia
Graças à
direção realista de Alan Parker, que por esse trabalho recebeu sua primeira
indicação ao Oscar, o filme se tornou para boa parte da audiência um retrato da
insanidade do sistema carcerário e bandeira pelos direitos humanos. Curioso
notar, no entanto, que em nenhum momento o discurso caminha para o julgamento
moral diante da atitude do próprio Billy Hayes. Difícil acreditar que, mesmo
sendo jovem, ele não tivesse a mínima suspeita do risco iminente que estava
correndo. Se a prisão do rapaz, apenas pelo crime apresentado, fosse noticiada
num jornal, a maioria das pessoas jamais olharia para Hayes como inocente (o
que de fato ele não era).
Mas estamos
falando de cinema e de uma Hollywood historicamente progressista, que prefere
abrandar o ilícito, massagear o ego do criminoso e apontar todos os dedos para
o sistema jurídico/penal. Mais: carrega nas tintas da brutalidade policial para
fazer valer a narrativa somente da vítima de uma diplomacia inexistente. Sim, é
um filme antiturco. Não por acaso, à época o filme foi proibido na Turquia e as
relações diplomáticas desse país com os Estados Unidos ficaram abaladas.
Importante dizer que, apesar das impropriedades históricas/políticas, O Expresso da Meia-Noite é um filme intenso, visceral, que conta com excelentes interpretações. Fica na memória de todos que o assistem.