‘Gótico é coisa da imprensa’. Wayne Hussey traz seu The Mission a Curitiba %%page%%


Wayne Hussey e o seu The Mission são do tempo em que a gente sabia o que as bandas faziam – se em turnê, gravando um disco ou prestes a lançar um, mudando de gravadora (elas ainda eram importantes) ou se separando – pelas revistas e semanários musicais, cadernos culturais, emissoras de FM e MTV. Saía faísca da relação entre músicos e imprensa, e os fãs adoravam esse caso de amor e ódio impresso nas páginas das publicações, coisa que os ingleses, conterrâneos de Hussey, sabiam fazer como ninguém.

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Mas a gente não precisa mais da imprensa musical para saber o que os artistas estão fazendo (o que, contraditoriamente, faz com que ela seja cada vez mais necessária). No último domingo, dia 23, o próprio Hussey utilizou os perfis da sua banda no Facebook e no Instagram para agradecer ao público que compareceu ao show em São Paulo, na noite anterior. O The Mission se apresenta em Curitiba nesta quarta-feira, dia 26, na Ópera de Arame, na Déjà Vu Tour 2022, com abertura dos também ingleses Gene Loves Gezebel, grupo criado em Londres, em 1981, pelos irmãos Michael e Jay Aston.

Wayne aproveitou o post para se desculpar por problemas técnicos ocorridos no show em Santiago, no Chile, no dia 20, e sobre algum post anterior, já apagado, em que teria comparado a reação do público chileno ao de outros da América do Sul – é sabido que os argentinos são disparados os mais fanáticos: lidam com os shows da mesma forma que encaram os jogos de futebol. O documentário End of Century, sobre os Ramones, registra o nível de fanatismo dos vizinhos com o quarteto punk de Nova York, algo comparável apenas à beatlemania.

“Minha intenção nunca foi ofender e peço desculpas se o fiz”, escreveu Wayne. “Acho que vocês me conhecem bem o suficiente, depois de todos esses anos, para perceber que, muitas vezes, como Cinthya, minha esposa, faz questão de ressaltar, não penso antes de abrir a minha boca grande”. Cinthya Hussey é brasileira, e o casal vive há cerca de 20 anos em São Paulo. Esta é a quarta passagem da banda pelo país. A última vez dos ingleses em Curitiba foi em 2000, em um show no extinto Fórum. Anos depois, Wayne se apresentou ao violão no Jokers Pub, no centro da cidade.

Wayne Hussey, com Simon Hinker e Craig Adams, ambos à direita, que estão de volta à banda. Foto: Reprodução/themissionukband.com
Wayne Hussey, com Simon Hinker e Craig Adams, ambos à direita, que estão de volta à banda. Foto: Reprodução/themissionukband.com

Góticos. Ou darks

O The Mission é da tradição dos grandes grupos britânicos do
chamado pós-punk. Com The
Cure, Siouxie and the Banshees, Echo and the Bunnymen, Fields of the Nephlim,
Sisters of Mercy, Gene Loves Gezebel e outras, ajudou a pintar o pop de preto e
púrpura. Juntas, ganharam a etiqueta de góticos – o que praticamente
todos rejeitam (no Brasil dos anos 1980, eram ‘darks’) – e lançaram discos e
singles que ainda hoje ecoam nos ouvidos de quem viveu aquele tempo. Não há uma
festa saudosista dos anos 80 em que o DJ não toque ”Severina”, de God’s Own Medicine, álbum de estreia do
Mission, de 1986, e “Beyond the Pale”, de Children,
o terceiro, de 1988.

A banda teve origem nos colegas góticos Sisters of Mercy, quando Hussey se desligou do líder e vocalista Andrew Eldritch (que esteve na mesma Ópera de Arame com sua banda em  novembro de 2019), e levou consigo o baixista Craig Adams. A dupla se juntou a Simon Hinker em 1986 – Adams e Hinker estão de volta à formação atual. Apenas Hussey se manteve fiel, mesmo encerrando a banda vez o outra, fazendo shows solo e algumas gravações usando apenas o próprio nome. À frente do The Mission, lançou 14 álbuns oficiais, mas somando singles, compilações e bootlegs, são mais de 30. O último de inéditas é Another Fall from Grace, de 2016.

Em setembro de 2019, Hussey lançou o primeiro volume de sua autobiografia , Salad Daze, ainda sem tradução no Brasil. O segundo, Head Daze –The Mission Years, 1985-1990, está programado para junho de 2023, segundo a Amazon.

Hussey com Craig Adams à direita em show da Déjà Vu Tour: " É diferente de como era há 30 anos, agora é mais suave". Foto: reprodução/Facebook
Hussey com Craig Adams à direita em show da Déjà Vu Tour: ” É diferente de como era há 30 anos, agora é mais suave”. Foto: reprodução/Facebook| Carsten Windhorst

Vocês, da imprensa

“O rock’n’roll, para nós, na década de 80, era bastante sujo e confuso, e moralmente duvidoso”, confessou Hussey em entrevista ao jornal irlandês Independent em abril deste ano. Ele falava basicamente sobre o comportamento deles, como banda, e também dos demais colegas de cena, com os fãs, sobretudo as groupies, expressão utilizada para nomear as garotas que seguiam as bandas e tentavam se aproximar dos músicos para algo a mais depois dos concertos. “Acho que se a gente olhar agora para o nosso comportamento naquela época… bem, acho que a gente não devia ter feito algumas coisas”.

Em entrevista ao site Louder Sound, Wayne relembrou os primeiros anos do seu envolvimento com a cena gótica, no Reino Unido, como algo empolgante. “Mas nenhum de nós fazia ideia de que era o início de um movimento”, assumiu. “Ninguém pensou naquela época: ‘yeah, vamos olhar pra trás daqui a 30 anos e pensar: que momento espetacular’. E nós não demos esse nome, gótico. Isso foi com vocês, a imprensa”, afirmou. Eram os dias de cabelos propositadamente desgrenhados, sobretudos pesados, camisas bufantes, uma certa melancolia ensaiada, romantismo à flor da pele e boa música.

“Eu queria ser um popstar”, confessa Wayne. “Eu era terrivelmente ambicioso”. Ele queria ser tão grande quanto o Led Zeppelin, uma de suas principais influências. A ponto de chamar o baixista John Paul Jones para produzir Children. O álbum chegou à segunda posição das paradas inglesas em 1988. Perguntado sobre se, lá em 1986, pensaria que sua banda estaria ainda na ativa em 2022, o músico ri. “Nós mal esperávamos [que durasse] mais do que alguns meses quando começamos. Naquela época, eu ficaria surpreso se todos nós ainda estivéssemos vivos em 2022”, brinca.

Sobre as idas e vindas do Mission ao longo desses mais de 40 anos desde sua formação, e o porquê de seguir com a banda na estrada após tanto tempo, Hussey sintetiza: “Porque é divertido”.  Em 2002, em um show em Recife (PE), ele chegou a anunciar sua saída da banda. “[Estar na banda] É diferente de como era há 30 anos, agora é mais suave. Gostaria de ainda ter a capacidade de passar uma noite na balada e não me sentir doente pelos próximos quatro dias, mas não consigo mais. Na verdade, tenho um pouco de orgulho do meu desempenho agora. E eu realmente aprendi a cantar”, comemora.

Segundo o site Setlist.fm, o repertório da turnê Déjà Vu conta com os hits “Beyond the Pale”, “Serpent’s Kiss”, “Severina”, a balada romântica “Butterfly on the Wheel”, “Wasteland” e uma versão para “Tomorrow Never Knows”, dos Beatles. Filmagens de shows recentes estão espalhadas pelo YouTube, feitas com smartphones, que também não existiam quando Hussey decidiu trocar sua raiz familiar mórmon pela construção da persona popstar. Que vai estar no palco da Ópera de Arame na próxima quarta-feira, dia 26, disparando alguns sucessos que você, se tem pouco mais de 30 anos, já ouviu e dançou em algum momento.

Serviço

The Mission
– Déjà Vu Tour 2022

Dia 26/10, na Ópera de Arame – rua João Gava, 920, Abranches

Os portões abrem as 20h

Show de abertura – Gene Loves Jezebel

Ingressos à venda no site
Bilheto e nos pontos de venda: Let’s Rock (Praça Tiradentes, 106) e Carmela
(rua Dr. Claudino dos Santos, 72).





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