governo fala em custo de até R$ 480 bi
O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para esta quarta-feira (28) a retomada do julgamento da chamada “revisão da vida toda”, em meio a estimativas bastante divergentes em relação ao impacto fiscal que a ação pode gerar. Os ministros analisarão recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) contra acórdão que permitiu a um grupo de aposentados recalcular o benefício a partir de antigas contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Enquanto a União estima um custo de até R$ 480 bilhões caso a tese seja mantida, entidades que representam os segurados calculam valores entre R$ 1,5 bilhão e R$ 5,5 bilhões. O montante final dependerá do limite temporal estabelecido pelo Supremo para a revisão das aposentadorias, do indicador de inflação utilizado e da expectativa de vida média dos beneficiários.
A divergência entre os números resulta também da tentativa, de um lado e de outro, de sensibilizar os ministros da Corte. Durante o curso do processo, a União já apresentou diferentes projeções, sempre revisando o valor para cima.
Em 2019, uma nota técnica apresentada pela Secretaria de
Previdência do Ministério da Economia apontava um impacto financeiro de R$ 46,4
bilhões em dez anos, além de um custo operacional de R$ 1,6 bilhão. O montante
incluía pagamentos retroativos para um período de até cinco anos.
Em março de 2022, no entanto, o INSS divulgou uma nota
técnica que estima em R$ 360 bilhões o custo para os cofres da Previdência com
a possível vitória dos aposentados na ação. O estudo foi criticado por
especialistas em direito previdenciário.
“Poucas vezes presenciei uma manobra tão rasteira na manipulação da opinião pública, que busca reverter votos contrários em processo que a autarquia é parte”, escreveu João Badari, do Instituto de Estudos Previdenciários, Trabalhistas e Tributários (Ieprev).
“O réu junta no processo uma prova de que a ação não se aplica para todos, atesta a decadência para quem se aposentou há mais de dez anos, entende que não cabe para quem se aposentou pós-reforma da Previdência e nesta nota levada ao presidente da República ele afirma que ela vai ser aplicada para um número maior do que todos os benefícios pagos pelo INSS”, prosseguiu.
À época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), informado da
nota técnica, disse à imprensa que “a revisão [da vida toda] vai quebrar o
Brasil”. Especialistas que acompanham o processo acreditam que a nova estimativa
pode ter motivado o pedido de destaque apresentado pelo ministro Nunes Marques,
que acabou remetendo o processo a uma sessão presencial e adiando sua conclusão
para dezembro de 2022.
Um grupo de aposentados intitulado “Lesados pelo INSS Revisão
da Vida Toda” contesta os dados e chegou a encaminhar um ofício ao então presidente
do STF, Luiz Fux, defendendo que o julgamento não deveria ser levado ao
plenário físico com o argumento de que haveria interferência do Executivo no Judiciário.
Especialistas contratados
pela associação calcularam que o impacto econômico aos cofres da União seria de
R$ 2,7 bilhões a R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, a depender
do indicador inflacionário.
A controversa nota técnica, que não constava dos autos, é citada
nos embargos de declaração opostos pelo INSS por meio da AGU à decisão do STF favorável
aos aposentados. Apesar disso, nenhum valor é mencionado na petição, que afirma
apenas que “a revisão de todos os benefícios concedidos e o pagamento de
atrasados, estimado em bilhões de reais, configura um ônus excessivo e
desproporcional com prejuízo aos interesses gerais”.
Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, no
entanto, o governo informa que a revisão da vida toda tem um risco fiscal de R$
480 bilhões. A ação judicial consta de tabela de riscos classificados como “prováveis”.
A lista foi elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda,
a partir de dados da AGU.
O valor considera cenário em que todas as aposentadorias e
pensões seriam corrigidas para todos os beneficiários elegíveis e inclui
pagamentos retroativos e futuros, além de projetar uma expectativa de vida
média de mais 15 anos para cada segurado.
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) estima que o impacto seria de R$ 1,5 bilhão. Ao jornal “Valor Econômico”, Carlos Vinicius Ferreira, membro da diretoria científica da entidade explica que entre 2009 e 2019 – período alcançado pela decisão mais recente – foram concedidos 2,5 milhões de benefícios, mas apenas uma parcela disso é passível de revisão.
Além de a maior parte dos casos não obter benefício mais
favorável após revisão, há aposentadorias atingidas pela decadência revisional –
prazo de dez anos para fazer o pedido.
Há cerca de duas semanas, o aposentado Eduardo Corrêa, por meio da advogada Rosemira de Souza Lopes, requereu juntada ao processo de um estudo, no qual estima em R$ 4 bilhões o custo fiscal da “revisão da vida toda” em dez anos.
“Convém destacar que a projeção de custo da ‘revisão da vida toda’ em dez anos não tem razão de ser, e o único sentido que nos parece é que é um método utilizado para apresentar algum valor de interesse com maior grandeza e de maior impacto”, afirma.
Baseado em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ele aponta que há apenas 61.411 ações ajuizadas em todo o país relacionados ao Tema 1.102 (“revisão da vida toda”). Cita ainda que, em razão da decadência, há uma diminuição substancial tanto do número de aposentados com direito à revisão, como do valor médio do reajuste dos benefícios.
O que é o julgamento da “revisão da vida toda”
O julgamento marcado para esta quarta remonta à entrada em
vigor da Lei 9.876, de 1999, que alterou a forma de cálculo das aposentadorias.
Até então, o benefício era definido considerando-se as 36 últimas
contribuições, ou seja, a média dos três anos anteriores. A nova legislação
dispôs que passaria a entrar na conta as contribuições recolhidas durante a
vida toda, excluindo-se as 20% menores.
Para quem já estava no sistema antes da sanção da lei, no
entanto, foi criada uma regra de transição: o cálculo começaria a partir de 1.º
de julho de 1994, data do início do Plano Real. Algumas pessoas, no entanto,
acabaram prejudicadas, por ter histórico salarial “invertido” – ou
seja, por terem contribuído mais ao INSS no período anterior a julho de 1994 e
terem essas contribuições desconsideradas.
Após uma série de adiamentos, por 6 votos a 5, o STF decidiu, em 1.º dezembro de 2022, reconhecer a possibilidade de esse grupo de segurados utilizar a regra definitiva, que considera o histórico integral de contribuições à Previdência – daí o nome “revisão da vida toda”. A tese vencedora referendou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2019.
O acórdão foi publicado apenas em 13 de abril de 2023. No dia 5 de maio, representando o INSS, a AGU apresentou os embargos de declaração, argumentando que não ficou definido se as revisões estariam sujeitas a prazos de prescrição e decadências, nem se a tese alcança pagamentos retroativos feitos sob outros parâmetros ou decisões transitadas em julgado que haviam negado o direito de recálculo.
A AGU defende no processo que os efeitos da decisão devem ser aplicados apenas para o futuro, excluindo a possibilidade de revisão de benefícios já extintos, de parcelas já quitadas e vedando, portanto, o pagamento de diferenças anteriores a 13 de abril de 2023.
Além disso, a União diz no recurso que não teria havido formação de maioria entre os ministros do STJ quando do julgamento naquela instância, uma vez que a decisão foi tomada por uma turma do tribunal, e não pelo colegiado completo. Por isso, pede que a decisão do STF seja anulada os autos sejam devolvidos à instância anterior para novo julgamento.
Quatro ministros votaram por modulação da decisão; três querem que ação
volte ao STJ
Até o momento, sete ministros já proferiram seus votos em
relação ao recurso da AGU. Alexandre de Moraes, relator do caso, defende a
fixação de um marco temporal, a partir de 1.º de dezembro de 2022, antes do
qual o recálculo de aposentadorias não deve retroagir.
Antes de se aposentar, a então ministra Rosa Weber divergiu do relator e defendeu que os efeitos da decisão devem ter como marco o dia 17 de dezembro de 2019, quando o STJ reconheceu o direito à revisão da vida toda. Edson Fachin e Cármen Lúcia acompanharam esse entendimento.
Já Cristiano Zanin apontou que a modulação é necessária, mas acolheu o argumento de que o caso deve voltar ao STJ para ser julgado novamente. Acompanharam o entendimento de Zanin os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, e Dias Toffoli.
Em julho, Moraes atendeu a um pedido do INSS e suspendeu a tramitação de todos os processos que tratam da revisão da vida toda até que os embargos de declaração sejam analisados.
Com a ida do julgamento do recurso para o plenário físico, os ministros terão de se manifestar novamente, com a possibilidade de mudança de posicionamento dos que já votaram. Apenas o voto de Rosa Weber será preservado. Ela se aposentou em setembro de 2023 e foi substituída por Flávio Dino.