Haddad reconhece que arcabouço não se sustenta com aumento das despesas



O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, reconheceu que o aumento das contas públicas sem a devida contrapartida de arrecadação pode afetar diretamente o arcabouço fiscal, a âncora fiscal proposta pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para substituir o teto de gastos e que foi aprovada pelo Congresso no ano passado.

Em tese, o arcabouço limita o crescimento da dívida pública em 70% da receita no limite de 2,5%. No entanto, neste primeiro ano de vigência, o mercado financeiro já se mostra preocupado com o que vem depois, e já dá a sustentabilidade dele como duvidosa – o que Haddad reconhece e diz estar trabalhando.

“A Faria Lima [reduto paulistano do mercado financeiro] está, com razão, preocupada com a dinâmica do gasto daqui para a frente. E é legítimo considerar isso com seriedade. A soma das partes, das rubricas orçamentárias, pode fazer com que o arcabouço fiscal aprovado por este governo não se sustente. Pode ter impacto na dívida e o governo tem que tomar providências. A Fazenda está com isso na mesa, 100%”, disse o ministro em entrevista à Folha de S. Paulo publicada nesta terça (15).

Embora a “Faria Lima” tenha razão na preocupação, Haddad classificou o pessimismo como “exagero” e disse que tem conversado com Lula para evitar que se deixe um problema de insolvência das contas após o atual mandato. O ministro diz que lembra constantemente ao presidente que, embora o petista vá governar – em princípio, já que pode disputar a reeleição – até 2026, o mercado financeiro analisa as decisões com impactos futuros para, pelo menos, até 2030.

“Falo o seguinte: o mercado está entendendo que a soma das partes – a soma do salário mínimo, saúde, educação, BPC (Benefício de Prestação Continuada) – é maior do que o todo. Ou seja, vai chegar uma hora em que esse limite de 2,5% [de crescimento da despesa em relação ao da receita] não vai ser respeitado. Ainda que a receita responda, o arcabouço fiscal não vai funcionar se a despesa não estiver limitada”, pontuou.

Haddad afirmou vem mostrando aos demais ministérios, ao Congresso e ao Judiciário a necessidade de “equacionar estruturalmente as finanças do país”, para evitar que o mercado financeiro antecipe decisões futuras e prejudique o presente do governo. Há a expectativa de que, após as eleições, seja enviado ao Legislativo um novo pacote de ajuste fiscal que deve contemplar mais cortes nos gastos.

O novo pacote deve ser discutido à tarde por Haddad em uma reunião com a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), o secretário Rogério Ceron (Tesouro Nacional), entre outros das duas pastas.

Ele, no entanto, creditou a atual fragilidade das contas públicas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem teria herdado um orçamento com muitas despesas contratadas sem lastro fiscal. Um cenário que, diz Haddad, foi bem diferente do entregue por Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para a primeira gestão de Lula.

“O governo, e eu não me excluo, demorou a perceber o grau de disfuncionalidade causado pela alteração de alguns programas. Desde 2021 houve a PEC do Calote [que adiou o pagamento de precatórios], a retirada de filtros do BPC e do Bolsa Família [para a concessão dos benefícios], a ampliação do Fundeb [fundo da educação básica] de R$ 22 bilhões em para quase R$ 70 bilhões em 2026 sem fonte de financiamento. Ou seja, muitas das despesas que se pretende cortar foram contratadas antes de o Lula tomar posse”, disparou Haddad.

O ministro afirma que recebeu um orçamento com previsão de receitas de 17% do PIB – “o pior da história” – com despesas de 19,5%. Apontou, ainda, que houve uma “maquiagem” em 2022 para passar a “impressão para a sociedade de que tínhamos um equilíbrio fiscal” conseguido, na visão dele, “com base no calote de precatórios e em privatizações açodadas que geraram receitas que não se repetiriam nos anos seguintes”.

E indicou, ainda, que a deterioração da base fiscal do país começou em 2015 – mas, sem citar que aquele foi o primeiro ano do segundo mandato da aliada Dilma Rousseff (PT), que sofreu impeachment no ano seguinte pelas pedaladas fiscais.

Ao longo de 2023, em que começou a fazer um ajuste fiscal altamente criticado por se basear apenas no aumento da arrecadação para cumprir o crescimento da dívida pública com a implantação das promessas de campanha feitas por Lula, Haddad considera que “até aqui, deu tudo certo”.

“O déficit veio para alguma coisa em torno de 1% do PIB, excetuada a despesa extraordinária com queimadas, que é pequena em relação ao orçamento, e com o Rio Grande do Sul [por causa das enchentes]. Despesa da qual me orgulho: a economia gaúcha está em franca recuperação”, disse.

Mas, aproveitou para creditar ao Congresso que as contas públicas não estão exatamente no 0 a 0 neste ano. “Se não fossem dois episódios da política, que foi [o Congresso] estender a desoneração da folha [de pagamentos de salários] aos municípios de até 156 mil habitantes e o Perse [programa de retomada do setor de eventos que previa isenções], nós estaríamos hoje em equilíbrio fiscal”.

Ele considera que as receitas e as despesas devem ficar igualmente na casa dos 19% do PIB para se gerar superávit e fazer com que a taxa de juros seja reduzida como vinha caindo até o final de 2023. Haddad Afirma que Lula está atento e ouvindo-o constantemente sobre a necessidade de fazer as despesas caberem no orçamento. “Nós precisamos enfrentar essa questão para as pessoas enxergarem que as somas das partes vai caber no todo”, pontuou.

“Eu estou aqui na condição de ministro da Fazenda que tem a obrigação de informar ao público as preocupações da área econômica. Mas não posso antecipar decisões que vão ser tomadas pelo chefe do executivo. Há uma forma inteligente de endereçar o problema. Do mesmo jeito que a gente fez o país crescer 3%, e ninguém acreditava [que isso seria possível]”, completou.

Ainda durante a entrevista, Haddad afirmou que o ajuste fiscal do governo vem sendo feito numa velocidade menor do que esperava para se evitar um grande impacto na população. E comparou com a situação vivida na Argentina, em que o presidente Javier Milei tomou medidas mais objetivamente que levaram ao aumento da taxa de pobreza – 52,9% após o ajuste.



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