Ih, cadê?! O dono sumiu!
Por mais fortes que tenham sido as marcas da gestão Galló, a Renner passará por mudanças, ainda que tenda a conservar muito da filosofia de seu conhecido ex-CEO
Semana passada comentei sobre a adoção do unbossing, sistema em que não existem chefes e as decisões são colegiadas. Hoje, abordo uma outra configuração empresarial incomum, ao menos no Brasil: a inexistência de dono. Inexistência de dono? Sim, há companhias que têm o capital excessivamente pulverizado, pertencendo a uma miríade de acionistas, sem que qualquer um deles detenha poder suficiente para determinar o rumo da organização. É o caso da Renner, com sede em Porto Alegre (RS). Um conselheiro da varejista de moda, Osvaldo Schirmer, certa vez comentou o desafio que essa característica representa para a cultura organizacional da companhia: “Normalmente, em uma empresa, a cultura é dada pelo dono. Como criar uma cultura organizacional em uma empresa sem dono, como a Renner?”, questionou.
O professor James Heskett, da Harvard Business School, ajuda a responder. Segundo ele, culturas constroem-se de maneira orgânica, espontânea. E se, de fato, em organizações novas a cultura tende a refletir os valores do fundador, em organizações antigas elas podem ser mudadas, a depender do comportamento dos líderes. Como a Renner teve um CEO longevo, José Galló, que marcou a recuperação da companhia e sua transformação em um grande player nacional, é praticamente impossível que suas digitais não sejam visíveis até hoje na empresa, já sob o comando de outro presidente. Culturas, no entanto, não são estáticas. Por mais fortes que tenham sido as marcas da gestão Galló, a Renner passará por mudanças, ainda que tenda a conservar muito da filosofia de seu conhecido ex-CEO.
E é importante que a varejista mantenha uma cultura forte e orientada para o cliente, como a que foi legada por Galló. Pois, segundo Henry Mintzberg, abrir capital e pulverizá-lo ao limite, como no caso da Renner, é temerário, uma vez que acionistas “não estão nem aí para seus produtos, só querem mais e mais dinheiro”. E qual o risco envolvido nisso? “Quando ela [a empresa] não consegue oferecer ao mercado mais dinheiro, o que resta é entrar num jogo perigoso: enganar os consumidores, aumentar os preços, demitir funcionários leais. Não dá para administrar uma companhia tendo como único norte oferecer mais ao mercado” (Exame, 12/04/2017).
Voltando a Heskett: culturas eficazes impactam positivamente aspectos não monetários de uma organização, como fidelidade de clientes e rotatividade de colaboradores. Ou seja, há indicadores objetivos para saber se uma companhia de capital aberto está fragilizando sua cultura ao se submeter a uma pressão deletéria dos acionistas. E acompanhá-los com atenção não deixa de ser uma forma de, numa empresa sem controladores, substituir o famoso “olho do dono”.