Indústria fechada e protegida vem perdendo espaço na economia nacional



A indústria de transformação vem perdendo importância como atividade econômica no país. Estudo feito pelos pesquisadores Claudio Considera e Juliana Trece, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), aponta que, em 1985, a atividade respondia por 36% do PIB. No primeiro trimestre do ano, esse percentual caiu para 11%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O peso como empregador também vem perdendo relevância. A PNADC Mensal aponta que, em seu melhor momento na série histórica – iniciada em janeiro de 2012 -, a indústria chegou a empregar 13,7 milhões de pessoas em dezembro de 2014. Esse número caiu para 10,9 milhões, em julho de 2020, no auge da pandemia da Covid-19, mas não se recuperou totalmente: em abril eram 12,7.

Nesse período, a produção industrial encolheu 10,4%. Os principais destaques negativos foram impressão e reprodução de gravações (-50,8%); fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores (-40,4%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-37,4%). Apenas um dos segmentos teve expansão: o alimentício (+0,9%).

E, entre os 14 estados pesquisados pelo IBGE, as maiores retrações na produção industrial, considerado o período entre dezembro de 2014 e abril de 2023, ocorreram em estados do Nordeste e do Sudeste. Na Bahia, a queda foi de 23,3% e no Ceará. 19,5%. No Espírito Santo, a produção se retraiu 41,4% e em São Paulo, 11,2%. Em seis estados (PA, RJ, PR, SC, MT e GO) houve crescimento, porém insuficiente para compensar a situação de outras unidades da federação.

O número de empresas também encolheu. O Cadastro Central de
Empresas do IBGE aponta que em 2013, pico da série histórica iniciada em 2006,
eram 457,9 mil empresas. O número encolheu para 393,1 mil, em 2018, e voltou a
subir em 2021, último dado disponível, quando eram 426,2 mil.

Ambiente institucional, tributos, mão de obra e infraestrutura são grandes
entraves

Um dos fatores que dificulta a expansão da indústria é o cenário institucional. Rubens Moura, professor de ciências econômicas da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, diz que o ambiente de negócios no Brasil é “horroroso”. “Faltam regras, leis e procedimentos claros sobre abertura e fechamento de empresas”, diz.

Um levantamento feito pela Heritage Foundation aponta que o Brasil tem pouca liberdade econômica, sendo considerado um país majoritariamente não livre. Em um ranking entre 176 países, o país está na 127ª posição.

Outro problema apontado pelos especialistas é o sistema tributário confuso, que não favorece uma lógica econômica. “Prevalece o bota aqui da guerra fiscal, pois é mais barato em termos tributários. Abre-se mão de uma ineficiência por outra”, afirma o professor do Mackenzie Rio.

O caminho, de acordo com o professor Claudio Shikida, do Ibmec Belo Horizonte e especialista do Instituto Millenium, é uma reforma tributária que simplifique as regras e facilite a vida dos contribuintes. O Brasil é o terceiro país mais complexo para fazer negócios, aponta o TMF Group, fornecedor de internacional de serviços administrativos e de conformidade.

Um dos fatores que ampliam essa complexidade é que o sistema tributário brasileiro é composto de três instâncias – federal, estadual e municipal -, o que contribui para um ambiente altamente regulamentado. Outro problema são as frequentes mudanças na legislação tributária. “As corporações que entram no mercado brasileiro precisam entender a estrutura exigente”, destaca o TMF Group.

Também afeta a indústria a falta de mão de obra qualificada.
Segundo Moura, na maioria dos casos, ela é de baixa qualidade e pouco produtiva,
o que dificulta a atração de empresas. “A indústria depende de mão de obra extremamente
qualificada.”

Shikida destaca que:

  • A educação segue muito ruim para os padrões
    internacionais, o que não só prejudica a indústria, mas a economia como um
    todo; e
  • O ensino técnico ainda não supre nem quantidade,
    nem a qualidade necessária para o aumento na produtividade da indústria.

Um problema levantado pelo professor do Mackenzie Rio é a péssima
coordenação entre o mercado, as instituições acadêmicas e o financiamento à
inovação. “As pesquisas feitas pelas instituições são direcionadas para o nada.
O mercado não acredita nelas, o governo não faz a ponte e não financia
pesquisas. O Brasil não dá certo em tecnologia por falta de coordenação.”

Infraestrutura e logística são outros pontos que dificultam
a expansão da atividade industrial, aponta o professor do Mackenzie Rio. Ele
ressalta que há uma grande dependência do modal rodoviário, com estradas com
problemas e inseguras. “Isto faz com que o custo do seguro seja mais elevado.”

Faltam acordos comerciais para estimular a indústria

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo também apontam que o Brasil tem dificuldades de acesso a outros mercados devido à falta de acordos comerciais. “São sempre interessantes, mas depende de como são feitos. Não adianta fazer por motivações puramente políticas”, afirma o professor do Ibmec BH.

Moura também destaca que, ao contrário da China, o Brasil
nunca foi um bom negociador em termos de comércio exterior. “Não é aguerrido, nem
agressivo. É só ver o Mercosul. É preciso ter coisas para oferecer.”

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, lembra que
os países que registraram um forte crescimento em sua indústria são aquelas que
fizeram acordos comerciais, diminuíram a proteção à produção local e se abriram
à concorrência. É o caso da China, da Polônia e de países do Sudeste Asiático.

Acordos também facilitam acesso a tecnologias mais inovadoras,
o que contribui para ampliar produtividade. “Mas, ao longo do tempo, a indústria
brasileira ficou protegida e fechada”, enfatiza.

Fundamental para a indústria e bom para o país, de acordo
com o economista-chefe seria o de investir no tripé formado por educação,
reformas e acordos comerciais. “Isto contribuiria para o desenvolvimento da
indústria.”

Processo de transformação econômica pesa contra a indústria

Além das questões estruturais, a perda de espaço da indústria
também está ligada ao processo de transformação econômica das sociedades. “Não
há nada que nos garanta que a indústria sempre será aquela que gera o maior
valor agregado de uma economia”, diz Shikida.

Há também o avanço de outros setores. O especialista do
Millenium cita o da agropecuária moderna e o crescimento do setor de serviços
juntamente com um aumento da automação na economia. “A indústria vive sob uma
economia muito fechada, o que não é bom para o fortalecimento do setor em
termos de competitividade.”

O problema é que esse fenômeno ocorreu precocemente no
Brasil. “Não fomos expostos à competição até 1994, com o Plano Real. Depois,
até tivemos uma reação, mas não conseguimos acompanhar o resto do mundo.
Perdemos produtividade”, destacam Considera e Trece. Um estudo realizado pelo
FGV Ibre mostra que, entre 1995 e 2021, a produtividade
por hora trabalhada na indústria encolheu 27,6%.

Considera também aponta que o perfil do consumo também está
em transformação, migrando dos bens para os serviços. “As pessoas querem viver
mais experiências.”

Segmentos mais intensivos em tecnologia não conseguem avançar

Mesmo segmentos mais intensivos em tecnologia não conseguem
avançar. Levantamento
divulgado, em março, pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi), mostra que, em 2022, somente a indústria de média-baixa
tecnologia conseguiu ampliar sua produção, depois de dois anos de recuo.

O avanço ocorreu basicamente em dois segmentos: alimentos e
bebidas e derivados de petróleo, favorecidos pela alta nos preços das
commodities e pela expansão de suas exportações.

“Não há problema em avançar nesse segmento. A China fez isso
por anos e, aos poucos, avançou para segmentos de alta tecnologia. Como fez
isto? Estimulando a concorrência, ainda que sob um regime político autocrático.
Nós temos a democracia do nosso lado, mas não expomos nossa indústria à
concorrência.”

A indústria de alta tecnologia permaneceu estagnada em 2022. “Com isso, essa parcela da indústria não cresce há quatro anos seguidos, o que coloca o Brasil na contramão do mundo, cuja indústria de maior intensidade tecnológica vem crescendo acima do agregado da indústria de transformação global.”



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