Inflação de alimentos foi de quase 50% em quatro anos
Se você tem a sensação de que consegue comprar cada vez menos produtos no mercado gastando a mesma quantia de antes, saiba que não é o único. E não é “achismo”. A inflação dos alimentos ficou bem acima do índice geral nos úlitmos quatro anos.
De janeiro de 2020, pouco antes do início da pandemia, até agosto de 2024, a alimentação no domicílio ficou quase 49% mais cara, segundo o IBGE. Nesse grupo entram todos os alimentos e bebidas comprados em supermercados, mercearias e demais tipos de comércio, para consumo em casa.
Enquanto isso, a inflação geral de todos os produtos e serviços – medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – foi de aproximadamente 31% no mesmo período. Os dados foram compilados por André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV Ibre e especialista em inflação.
Ele destaca que a categoria de cereais, leguminosas e oleaginosas (como arroz, feijão e outros) subiu pouco mais de 85% desde janeiro de 2020. Legumes, tubérculos e raízes (batata, cebola, tomate, cenoura, pimentão e outros) ficaram ainda mais caros, com alta média acima de 97% no mesmo período – ou seja, praticamente dobraram de preço.
O ovo, proteína mais em conta, não escapou: o preço médio deu um salto de 46% nesses quase quatro anos. Hortaliças e verduras ficaram 84% mais caras. As frutas, 91%. Algum alívio veio de carnes e pescados – que, pela medição do IBGE, ficaram respectivamente 15% e 17% mais caros, abaixo da inflação média.
Braz explica que não há um único motivo para os aumentos. Na pandemia a demanda cresceu e, como dita a regra do mercado, quando ela sobe mais que a oferta, o preço aumenta. Em 2021, a crise hídrica prejudicou muitas safras e, consequentemente, oferta e preço. Até mesmo a guerra da Rússia contra a Ucrânia interferiu, uma vez que o conflito eleva os preços de commodities subir, que são tabelados internacionalmente.
Em 2023, diz Braz, houve uma trégua. Porém, agora em 2024 os fenômenos El Niño, no primeiro semestre, e La Niña estão mexendo novamente com as plantações.
O problema da inflação dos alimentos é que ela afeta proporcionalmente mais as famílias mais pobres, pois o peso desses produtos é maior no orçamento delas.
“A inflação dos principais itens que compõem a cesta dessas famílias subiu muito mais do que a inflação média. E os salários são corrigidos pela inflação média. Então, se o salário foi corrigido em 31%, a alimentação subiu quase 50%”, explica.
Não as classes média e alta não sintam a pressão do preço dos alimentos, mas o espaço que elas têm para remanejar o orçamento doméstico é maior. Para os mais pobres, a corrosão do poder de compra vai significar menos comida na mesa.
“As famílias de baixa renda têm maior sensibilidade aos alimentos. Elas percebem uma inflação muito mais forte porque ganham pouco e comprometem a maior parte do salário com alimentos. Não sobra muito para outras despesas”, observa Braz.
“Para elas, quando alimento fica mais caro, significa que precisam desembolsar mais para levar a mesma quantidade de comida. Isso é ruim porque piora a qualidade de vida, aumenta a fome e a desigualdade. Se o que eu ganho só dá para comer e está cada vez pior, este é pior cenário”, complementa.
A solução para o dinheiro voltar a render mais não é tão simples. Primeiro, porque depende muito das próximas safras – e o país enfrenta problemas climáticos sérios, além das queimadas. Nesta semana, a associação de supermercados alertou que os preços tendem a subir nas próximas semanas por causa da estiagem que afeta grande parte do país e dos incêndios.
Segundo, porque o alívio para o bolso está condicionado ao aquecimento do mercado de trabalho. Que está em alta, segundo números divulgados pelo IBGE e pelo Caged, do Ministério do Trabalho. Porém, os salários, mesmo subindo, não necessariamente acompanham o preço dos alimentos.
“Os últimos dados do IBGE e Caged mostram que o emprego está melhorando. A taxa de desemprego está baixa e o índice de população economicamente ativa, alto. O problema é que você não vê salários com altas significativas. Essa criação de emprego formal não é altamente especializada, e aí a renda média sobe muito pouco”, pontua Walter Franco, professor de Economia do Ibmec-SP.
Franco e Braz explicam que a percepção de que os preços ao consumidor sobem mais do que os índices oficiais tem a ver com a metodologia das pesquisas.
O cálculo do IPCA, feito pelo IBGE, é muito abrangente. Ele busca apontar a variação do custo de vida médio de famílias com renda mensal de um a 40 salários mínimos (de R$ 1.412 a R$ 56.480) e abrange centenas de itens, que incluem passagens aéreas, gasolina, itens de escritório, energia e bens que não são comprados frequentemente (automóvel, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e outros).
Esse “espalhamento” acaba por diluir o índice geral. Como para muitas famílias a alimentação é o principal gasto, fica a percepção de que na verdade a inflação sobe muito mais que o anunciado.
Mesmo a inflação de alimentos pode passar essa impressão. Em 12 meses, o grupo de alimentação e bebidas ficou 4,6% mais caro, segundo o IBGE. Mas determinados itens subiram muito mais: o preço do café moído avançou 17% em um ano; o arroz ficou quase 28% mais caro; a cebola subiu 34% e a batata inglesa, 51%.
Por outro lado, o pão francês teve alta de cerca de 2% e o feijão preto, de pouco mais de 3%. Ainda segundo o IBGE, o preço médio das carnes baixou 2%, a cenoura ficou 23% mais barata e preço do tomate baixou 25%.
Como o país pode reduzir a pressão sobre os preços dos alimentos?
Dois fatores são essenciais para trazer alívio ao orçamento familiar no que diz respeito aos alimentos: o clima, que interfere nas safras, e a criação de mais empregos e com salários melhores. A perspectiva não é das melhores.
“Temos uma seca na conta do La Niña que pode manter a pressão inflacionária sobre os alimentos entre 2024 e 2025. Mesmo que os preços não subam muito, não terão muito espaço para devolver tais aumentos no meio desses efeitos climáticos”, analisa Braz, do FGV Ibre.
As queimadas e a seca que atravessam o país já provocam alta no preço dos alimentos, que devem fechar o ano com inflação de 6,3%, segundo estudo do Bradesco. Na esteira de problemas climáticos, a energia também deve subir. Há risco de que a tarifa permaneça com bandeira vermelha (com acréscimo) até o fim do ano.
“Boa parte dos efeitos da seca estão mapeados e incorporados no cenário, mas a volta das chuvas será importante para definir o quadro de energia e alimentação nos próximos meses”, diz a análise do Bradesco.
Diante do encolhimento do carrinho de compras, o brasileiro, que já é craque em sobreviver à inflação dado ao histórico do país, volta às conhecidas alternativas de comprar menos, mudar a marca e fazer substituições quando possível.
“No mês passado tivemos uma deflação. Foi uma pausa, mas nos próximos meses pode acontecer um pequeno repique por causa dos alimentos e energia. Até o fim do ano a inflação dos alimentos não deve ceder. Teria que ter uma conjetura muito especifica para reduzir”, analisa Franco, do Ibmec-SP.
O professor salienta que o caminho é melhorar salários e continuar a criação de empregos. E é aí que está nó: para isso, é preciso ter investimento privado, o que só acontecerá se o Brasil for atrativo. “Hoje é muito pouco atrativo, há muita burocracia, as taxas de juros são altas”, diz.