Isabelle Huppert, pouco entusiasmada com ideias de Hollywood, prefere a Coreia
(FOLHAPRESS) – Às vésperas do Oscar, em meio a uma campanha explosiva entre brasileiros prontos para comprar qualquer briga por Fernanda Torres e o cancelamento do filme “Emilia Pérez”, Isabelle Huppert não parece estar nem um pouco preocupada com essa novela hollywoodiana.
A diva do cinema reconhecida mundialmente presidiu o júri do último Festival de Veneza, que deu o Leão de Ouro a Pedro Almodóvar por “O Quarto ao Lado” -filme esnobado pelo prêmio americano, apesar de ser o primeiro do espanhol falado em inglês.
Huppert parece muito mais empolgada com produções do leste asiático, em especial da Coreia do Sul, que ela considera tão frutífera quanto a França na sua produção de obras originais, longe dos enlatados.
“Um festival como o de Veneza é um reflexo da grande vitalidade do cinema mundial”, diz, orgulhosa, em entrevista por videochamada do seu apartamento em Paris, de costas para uma estante branca cheia de livros.
Ainda que tenha participado de produções americanas e tenha sido elencada como a segunda maior intérprete do século 21 pelo The New York Times -atrás apenas de Denzel Washington-, ela dá de ombros sobre o que acha das obras feitas hoje no país. “Não tenho ideia. Não moro nos Estados Unidos ou em Hollywood”.
O próprio Festival de Veneza costuma dar pistas importantes para o Oscar. Se o filme de Almodóvar não agradou tanto à Academia, “O Brutalista”, segundo colocado pelo júri no Lido, foi indicado a dez estatuetas, incluindo a de melhor filme.
Congelar a agenda para ver centenas de produções não foi tarefa fácil para a atriz francesa que, com mais de 150 longas, curtas e séries no currículo, estrela pelo menos um filme por ano desde 1971 -de comédias românticas para o circuito comercial francês a obras-primas de autores asiáticos.
Uma de suas produções mais recentes, “As Pessoas ao Lado”, deve chegar ao circuito brasileiro este ano, enquanto “Sidonie no Japão”, de Élise Girard, feito em 2023, é um dos destaques entre os filmes estrelados por ela que chegaram nesta semana ao streaming Reserva Imovision. Nele, Huppert é uma escritora enlutada que viaja ao Japão e se apaixona pelo seu misterioso editor, enquanto começa a ver o espectro de seu marido.
“Escolho [o trabalho] conforme o diretor e o potencial do papel. É preciso sentir uma conexão secreta e ter certeza. Caso contrário, o processo é insatisfatório”, diz Huppert, categórica. A firmeza é de alguém que construiu a carreira, nas décadas de 1970 e 1980, protagonizando as narrativas de mestres da nouvelle vague, como Claude Chabrol e Jean-Luc Godard, e de diretores europeus conceituados, como Claude Goretta, Maurice Pialat e Bertrand Tavernier.
A relação com Chabrol foi particularmente profícua e duradoura. Juntos, eles fizeram sete filmes, entre eles “Violette” e “Um Assunto de Mulheres”, pelos quais ela venceu os prêmios de atuação nos festivais de Cannes e Veneza, e os aclamados “Mulheres Diabólicas” e “Madame Bovary”.
“Teríamos feito mais filmes juntos se ele não tivesse morrido tão de repente”, afirma Huppert. Chabrol se foi ainda produtivo, em 2010, com 80 anos. “Ele explorava o cinema em diferentes campos, de dramas históricos e políticos a comédias e thrillers. Ele tinha uma visão muito ampla sobre filmagem e inspiração.”
Essa originalidade Huppert reconhece, hoje, no coreano Hong Sang-soo, com quem trabalhou em “A Câmera de Claire”, “A Visitante Francesa” e, no ano passado, “As Aventuras de uma Francesa”, premiado em Berlim, que acompanha uma professora durante alguns dias de contemplação e descanso na Coreia do Sul.
“Sang-soo faz filmes como ninguém no mundo. Você não tem diálogos ou personagens que normalmente definiriam uma história clássica. Mas no final do dia você ainda tem um filme que declara algo sobre o mundo e sobre a conexão entre as pessoas”, diz Huppert.
“Para mim, a criatividade se encontra no dia, não há nada que você possa antecipar. E, com Sang-soo, você descobre os diálogos duas horas antes de filmar, não tem roteiro. O que você precisa fazer é explorar o momento presente”, diz. “Eu o definiria como um poeta, e é difícil trazer a poesia para a tela.”
Ela credita a efervescência do cinema coreano a um sistema de financiamento de filmes similar ao da França. “Não tem como comparar um filme de Hong Sang-soo com um de Bong Joon-ho ou Lee Chang-dong. O cinema deles é muito diverso.”
Para além das produções coreanas, Huppert diz que quer se manter otimista em relação à produção cinematográfica em tempos de streaming. “Não quero soar pessimista. Sim, acho que o cinema ainda é vital”, afirma. “Este é um bom momento para a França. Houve um período obscuro após a Covid-19, e a paisagem está mudando. Mesmo com a produção de séries para a televisão, o coração da filmografia e do cinema é preservado.”
A francesa comemora, por exemplo, a vitória de Fernanda Torres e do filme “Emilia Pérez” -antes do estouro das polêmicas envolvendo Karla Sofía Gascón viesse à tona- no Globo de Ouro, premiação que historicamente pretere produções faladas em inglês.
Huppert, inclusive, faz parte do seleto clube de atrizes não americanas ou britânicas já consagradas na cerimônia -composto por ela, Torres, a francesa Anouk Aimée e a norueguesa Liv Ullmann. A francesa foi coroada em 2017 por “Elle”, de Paul Verhoeven, onde encarnou a revanche de uma mulher estuprada.
Sua fama em interpretar protagonistas femininas controversas e cativantes remonta a “Mulheres Diabólicas” e se intensificou com “A Professora de Piano”, de Michael Haneke, em que vive uma pianista castrada pela mãe controladora e que encontra em um jvem aluno a chance de extravasar seus desejos sexuais.
O papel de 2001 deu a Huppert mais um prêmio de atuação em Cannes, a uma altura em que ela já era conhecida como a rainha do festival devido às suas inúmeras passagens pela Riviera. Naquele momento, as mudanças para as mulheres nos bastidores da indústria cinematográfica ainda caminhavam a passos de formiguinha.
A sua pianista, então, soou como o prenúncio de um movimento que culminou, na safra deste ano, numa onda de filmes protagonizados por mulheres de meia-idade, tais como “Babygirl”, com Nicole Kidman, e “A Substância”, com Demi Moore, com grandes chances ao Oscar de melhor atriz.
“É notável. Mesmo em Veneza, havia mais mulheres ganhando prêmios do que homens, o que é incomum. É um indício de quão vital é a presença feminina em um filme”, diz.
Será hoje um momento melhor para ser atriz do que o passado? “Não tenho ideia”, diz, com sua fleuma habitual. “Sempre foi um bom momento para mim.”
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Filmes estrelados por Isabelle Huppert no Reserva Imovision
Madame Bovary (1991)
Dir.: Claude Chabrol
Mulheres Diabólicas (1995)
Dir.: Claude Chabrol
A Professora de Piano (2001)
Dir.: Michael Haneke
Amor (2012)
Dir.: Michael Haneke
A Religiosa (2013)
Dir.: Guillaume Nicloux
O Vale do Amor (2015)
Dir.: Guillaume Nicloux
A Dona do Barato (2020)
Dir.: Jean-Paul Salomé
Uma Vida sem Ele (2022)
Dir.: Laurent Larivière
Sidonie no Japão (2023)
Dir.: Élise Girard
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