La Niña deve “combater” queimadas e ajudar safra recorde


O calor extremo, a vegetação seca e a propagação descontrolada de incêndios na região Centro-Oeste, em que não chove há mais de 150 dias, não afastam a perspectiva de uma safra recorde no novo ciclo agrícola que se inicia no Brasil.

Apesar do cenário apocalíptico das queimadas, ficar quatro a cinco meses sem chover não é algo anormal para o Cerrado. O que fugiu do previsto nesse ano foi o excesso de calor, que deixou solo e vegetação secos, propícios ao fogo. Nos dez primeiros dias de setembro, a temperatura média máxima em Mato Grosso chegou a 39,6 ºC, contra uma média máxima histórica de 35,6 ºC, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

A chegada do La Niña, contudo, deve mudar o cenário em breve, recuperando a umidade do solo e devolvendo o verde ao cenário do Brasil Central. Em contrapartida, esse mesmo La Niña, provocado pelo resfriamento das águas do Pacífico, costuma ser desfavorável à safra no Sul do país, e preocupa por trazer consigo chuvas erráticas para a região.

Barreira natural contra os incêndios

“O problema do La Niña para o Sul não é que chova abaixo da média, mas é a irregularidade da chuva. Em Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná e principalmente no Rio Grande do Sul, deve chover bem em outubro, mas as chuvas tendem a diminuir bastante no final de novembro e dezembro. Isso pode atrapalhar a safra. Já em Mato Grosso, Goiás e lá para cima, a hora que começar a chover, a chuva vem sem problema algum”, aponta o meteorologista Luiz Renato Lazinski.

Em relação ao bioma amazônico, igualmente castigado pelo tempo seco e pelas queimadas, as chuvas devem vir acima da média na primavera, a partir da segunda quinzena de outubro. Assim, estaria a caminho uma barreira natural à proliferação dos incêndios.

Ainda não há estimativas oficiais da dimensão dos prejuízos causados pelas queimadas na agropecuária de Mato Grosso, que produz 31% dos grãos no país. Como as safrinhas de algodão e milho já estavam colhidas em agosto, as perdas se concentram na queima das pastagens e destruição da matéria orgânica superficial do solo. “Quem tinha a palhada, a cobertura do solo, ele perdeu para o estabelecimento da próxima safra. Isso impacta na cobertura que as sementes teriam e no desenvolvimento inicial das lavouras”, diz Cleiton Gauer, superintendente do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea).

Paciência para decidir a hora de plantar

Por outro lado, o atraso na largada do plantio de verão, devido à estiagem, ainda não preocupa os mato-grossenses. “O final de outubro e o início de novembro é um ponto de corte-chave para a gente. É no mês de novembro que precisamos ter um grande volume semeado para conseguir dar vazão à safra aqui no estado”, sublinha Gauer.

Esse volume de chuva necessário para recuperar a umidade do solo e criar condições propícias à germinação das sementes deve vir em outubro. Até lá, as primeiras chuvas no Centro-Oeste ainda devem ser irregulares.

“O produtor vai ter que ter paciência porque a regularização das chuvas esse ano deve acontecer um pouquinho mais tarde, a partir da segunda quinzena de outubro. No entanto, pensar em plantar na segunda quinzena de outubro, em termos de Cerrado, é normal”, avalia Ludmila Camparotto, meteorologista da Rural Clima.

Fenômeno La Niña mais fraco deve favorecer nova safra recorde de grãos no país
Fenômeno La Niña mais fraco deve favorecer nova safra recorde de grãos no país| Felipe Rosa / Arquivo Tribuna do Paraná

Pelo calendário oficial, a largada para o plantio da safra de verão foi dada no dia 1.º de setembro para boa parte do Paraná, e no dia 7 para Mato Grosso – os dois maiores produtores de soja do país. Antes dessas datas, a semeadura da leguminosa é proibida devido ao vazio sanitário, prática de erradicação de restos de plantas do ciclo anterior, para evitar a proliferação da doença conhecida como ferrugem da soja. Até agora, porém, praticamente nenhuma semente foi lançada ao solo.

La Niña fraco pode impulsionar safra

O La Niña costuma trazer chuvas regulares para as regiões Centro-Oeste e Norte do país. Já para o Centro-Sul, o fenômeno está associado a chuvas erráticas e veranicos prolongados. Porém, tudo indica que a La Niña que se aproxima será de fraca intensidade.

Danielle Ferreira, meteorologista do Inmet, lembra que foi um La Niña moderado que nas safras 2020/21 e 2021/22 causou seca e perdas pesadas no Rio Grande do Sul. “Então, se ele for fraco, não vamos sentir tanto como aquele La Niña”, assinala. “É provável que atue mais para o verão. E aí é que vem a preocupação, porque se chegar a chuva em novembro, e depois de um tempo ela parar, poderá ser prejudicial ao Centro-Sul do país”, adverte.

Para o analista-chefe de soja da consultoria Safras & Mercado, Luiz Fernando Roque, uma semana ou até um mês de atraso na arrancada para a próxima safra não configuram uma queda no potencial produtivo. “As chuvas têm que chegar e vir com regularidade. Não adianta chover um pouquinho e parar. Mas sim, hoje o potencial ainda é de uma safra recorde. A gente está falando de uma safra potencial de 171 milhões de toneladas de soja no Brasil”, destaca.

A previsão é corroborada por Ludmila Camparotto: “Quando regularizar (a chuva), acho que vem bem. Fica esse ponto de atenção para o Sul, pensando mais no verão. Se as chuvas caírem muito na Região Norte, acho que alguns probleminhas pontuais a gente pode ter. Mas acho que no geral temos uma condição relativamente boa para a safra do ano que vem”.



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