Lenin, herói do amor e da democracia?


Lucas Berlanza Corrêa*

Completaram-se, em 21 de janeiro, os cem anos da morte de Vladimir Illyich Ulianov, amplamente conhecido como Lenin (1870–1924), o arauto da Revolução Russa. O legado do teórico, político e revolucionário do Partido Bolchevique que implementou o primeiro movimento bem-sucedido de tomada de poder do Estado sob inspiração filosófica marxista foi objeto de louvações emocionadas, por professores, estudantes universitários e personalidades da esquerda brasileira e internacional, na semana que se encerrou. Pouparei o leitor de citar os nomes.

Ao vasculhar um cardápio de perfis e páginas de impacto expressivo na esquerda deste Brasil varonil, encontramos facilmente exemplos desse fenômeno. Em uma das páginas, lê-se longo artigo que enaltece as gloriosas conquistas econômicas e militares da potência fabricada pelo movimento capitaneado por Lenin. Em outra, um acadêmico repleto de títulos em nossas universidades se derrete pelo legado teórico de Lenin acerca do papel dos partidos — enquanto, na barra lateral, vê-se que o mesmo site relaciona um artigo sobre o terrível “golpe fascista de 8 de janeiro”.

Um historiador, ligado a notório partido de esquerda, clama por um “leninismo para o século XXI”, sentenciando que, diante do avanço da “extrema direita”, é mais necessário do que nunca que existam esquerdistas realmente revolucionários, no espírito do líder soviético, para lhes fazerem frente. Sentencia ainda que os bolcheviques “erraram” ao impor uma ditadura de partido único, mas esse “erro” não deve ser usado para soterrar o “heroico legado da Revolução de Outubro”. Outro partido político, também de esquerda, fala em Lenin como o teórico que mais contribuiu para o desenvolvimento da teoria e da prática revolucionárias desde os fundadores do marxismo.

Um ilustre geógrafo e professor universitário aponta Lenin como sua “principal influência” e a União Soviética como uma experiência bem-sucedida que inspirou as principais bandeiras igualitárias e libertadoras do século XX. Localizei pelo menos dois famosos políticos da esquerda dizendo que Lenin deve estar “sempre presente”. “Estrategista político genial e ser humano admirável”, define outro professor universitário em coluna para um site de notícias. Por fim, para não cansar o leitor, um jornalista assevera que o legado leninista está na luta global “para transcender os dilemas que a humanidade enfrenta enquanto avança rumo ao socialismo”.

Conforme o amigo e professor Ricardo Jungmann ressaltou em suas redes sociais, as primeiras ações de Lenin no governo foram suspender os resultados de uma eleição legislativa e ordenar o fechamento de jornais da “imprensa burguesa”. Defendendo a implantação de uma “ditadura democrática revolucionária provisória do proletariado e do campesinato”, na prática, promoveu o advento de um dos regimes totalitários mais assassinos da história da humanidade; alimentou a escalada da violência em seu país, defendendo o roubo como instrumento revolucionário.

Todas essas “coisinhas” que a esquerda brasileira alega que as medidas autoritárias do Judiciário defenderam — “Estado de Direito”, “democracia” (ao menos no sentido representativo liberal com que nos acostumamos a empregar o termo), “instituições”, tudo isso foi alvejado impiedosamente por Lenin e seus sequazes, no campo das ideias e no campo da prática. Tudo isso, para ele, era uma fantasia a ser derrubada pela força, porque servia apenas como disfarce para o domínio burguês.

As mesmas pessoas que, diante dos atos de vandalismo praticados na Praça dos Três Poderes por um grupo sem qualquer condição material de mudar qualquer realidade da política brasileira, bradaram e ainda bradam diuturnamente por reforços de poder e ações excepcionais de emergência do Estado brasileiro contra a ameaça subversiva de fascistas golpistas escondidos debaixo da cama, não surpreendentemente, estão louvando Lenin como um herói — um herói improvável dos arautos “do amor e da democracia” que triunfaram em 2022. Não é preciso fazer sentido. Na verdade, diríamos que hoje é proibido fazer sentido. Eis os fatos.

Leia também: “O rancor dos velhos pecadores”, artigo de Augusto Nunes publicado na Edição 201 da Revista Oeste


*Lucas Berlanza Corrêa é presidente da diretoria executiva do Instituto Liberal





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