Liberais que apoiaram Lula em 2022 abandonam barco do PT
No começo do mês, pesquisa da Quaest com 105 agentes do mercado financeiro apontou que 90% deles avaliavam negativamente o governo Lula. No final de 2023, esse número estava em 53%.
Cada vez mais, economistas e empresários reconhecidos por seu viés liberal que apoiaram abertamente o presidente Lula nas eleições de 2022 se mostram críticos às escolhas do governo na área econômica. Em declarações a veículos de comunicação e nas redes sociais, manifestam sua desilusão com a gestão de Fernando Haddad no Ministério da Fazenda.
No fim de novembro, o bilionário Rubens Ometto, que doou R$ 1 milhão para a campanha do PT em 2022, deixou explícita sua decepção com o atual governo: “Acho que a gente está numa situação muito difícil. Quando você é empresário e vê tudo que está acontecendo, vê claramente uma política de partido, de não reduzir [gastos]. Está muito fácil resolver, é só resolver o problema do déficit fiscal que tudo se assenta, mas eles não querem fazer”.
Em outubro, o economista e ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga havia manifestado opinião parecida: “O Brasil já tinha que ter entendido que responsabilidade fiscal é algo bom. Produz mais prosperidade, mais oportunidades. Enquanto o Brasil tiver as finanças públicas fora do lugar, nós vamos estar com taxas de juros astronômicas. É muito difícil imaginar o Brasil se desenvolvendo plenamente com uma taxa de juros real acima de 6%”.
Dois anos atrás, em outubro de 2022, dias antes do segundo turno das eleições, o mesmo Fraga organizou com a então senadora Simone Tebet (MDB-MS) – agora ministra do Planejamento e Orçamento de Lula – um jantar com mais de 600 representantes da elite econômica brasileira para convencê-los a apoiar o PT. “Primeiro: vou votar em Lula. Segundo: vou votar sem qualquer condição. Terceiro: vou votar com convicção”, disse ele na ocasião, de acordo com o portal G1.
Além de ter promovido o jantar, Fraga já havia assinado dias antes com os economistas Pedro Malan, Persio Arida e Edmar Bacha uma nota conjunta de apoio a Lula. “Votaremos em Lula no 2º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, dizia a nota.
Passados quase dois anos, em junho de 2024, Bacha, um dos signatários daquela carta, demonstrou desilusão em relação ao futuro do país: “O Brasil podia decolar, mas o Lula não deixa”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo.
Não foi por falta de aviso, dizem analistas liberais que sempre se opuseram a Lula
Para dois analistas políticos liberais que sempre se opuseram a Lula, é difícil crer que as personalidades citadas não imaginassem quais seriam as opções econômicas do PT em um novo governo. Ambos consideram que os sinais eram claros desde antes de Lula assumir.
O cientista político Christian Lohbauer, um dos fundadores do partido Novo, admira algumas dessas figuras liberais e se diz perplexo até hoje com o posicionamento delas em 2022. “São verdadeiros ídolos, pelo menos meus ídolos. Os caras que fizeram este país dar um salto para frente, que foram massacrados pelo PT quando estavam no governo. Nessa época da eleição de 22, eu falei: ‘não é possível’. E não consigo explicar até hoje”, diz. “Não é para economia, política ou para outras ciências do tipo. É para a psiquiatria mesmo.”
Para ele, qualquer tentativa de explicação “foge da economia”. “Foi um posicionamento totalmente emocional, porque os números que o governo Bolsonaro apresentava e o [ex-ministro da Economia] Paulo Guedes apresentava, número é número, não dá para brigar com o número, e os números que foram apresentados no final de 22, depois de uma pandemia, foram muito razoáveis”, diz.
“Não sei se eles fantasiaram o modelo Lula-Mandela… O modelo Lula-conciliador, Lula-integrador, se pensaram: ‘Já que ele sempre foi amigo dos bancos mesmo, quem sabe agora ele pode mostrar que é um estadista'”, comenta. “Estavam muito incomodados com a ascensão do que veio a ser chamado de ‘bolsonarismo’. Muita gente, quando você vai falar nesse assunto, não responde racionalmente. Desconectam a racionalidade. Não é erro econômico. Eles entraram numa ficção, uma história da carochinha, e acreditaram naquilo. Eu gostaria de perguntar para o Malan, que para mim é um dos caras mais importantes de toda essa geração: ‘o que que aconteceu com você, que ouvia fora FHC e fora FMI todos os dias desse pessoal?’ Enquanto ele esteve no Ministério [da Fazenda], ele tomava isso todos os dias”, comenta.
Para Lucas Berlanza, presidente do Instituto Liberal, alguns economistas liberais “quiseram acreditar numa ilusão que fabricaram”. “Dizer que essas pessoas foram pegas de surpresa pelo que está acontecendo, a meu ver – e não quero singularizar a experiência mental de cada um –, mas, a meu ver, a tendência mais provável é que se trate de uma desonestidade intelectual”, afirma. “O Lula pode ser acusado de muita coisa, mas mentir sobre o que seria a sua posição econômica ele não mentiu. Ele sempre acreditou na gastança, sempre teve isso na essência da agenda dele, e não mascarou isso quando entrou na eleição de 2022”, acrescenta.
Em 2022, acadêmicos associados a grupos liberais, como alguns membros do movimento Livres, chegaram a lançar uma carta de apoio a Lula. Berlanza não vê nenhuma justificativa racional para uma opção de um liberal pelo PT.
Para ele, sob qualquer perspectiva para um liberal, havia uma diferença clara entre as plataformas de Bolsonaro e Lula em 2022. Bolsonaro, diz Berlanza, apesar de ter um passado antiliberal, ser um populista e ter defendido a ditadura, apresentou uma equipe técnica de liberais liderada por Guedes. Ainda que se considerassem seus “defeitos teóricos e estéticos”, do ponto de vista econômico era evidente que a proposta liberal de Bolsonaro era uma vantagem sobre o PT.
“O que era a plataforma do Lula? Intervencionismo econômico. Do ponto de vista econômico, para um liberal, a comparação era clara. E do ponto de vista político, o Lula também não tem absolutamente nada de democrático: um sujeito que sempre apoiou todo tipo de autoritarismo da América Latina, os regimes autoritários da região, o socialismo do século 21, patrocinou-os politicamente e economicamente. E conta com todo um amparo burocrático do Estado. É só olhar toda a composição do Supremo Tribunal Federal hoje, nomeada pelos governos do PT, que ajuda a manter o nosso Estado de Direito bastante disfuncional. Se Bolsonaro vencesse, ia indicar mais dois nomes no STF. Por mais que a gente possa criticar as indicações que ele fez, quebraria um pouco esse domínio que tem ali dentro. Então, se a gente fizesse um cálculo pragmático, comparando a plataforma de um com a de outro, não consigo entender por que um liberal optaria racionalmente pelo PT. Absolutamente me escapa a argumentação para justificar isso.”