Lula põe sindicalistas e velhos amigos em cargos-chave do governo
Ao mesmo tempo em que articula sua base de apoio no Congresso, sendo forçado a ceder nacos de poder ao Centrão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva empenha esforços na permanente estratégia do PT de aparelhar o Estado brasileiro, trazendo de volta à administração pública amigos, antigos companheiros de partido e sindicalistas.
De saída, a composição do ministério causou certo dèjá-vu, com a volta à cena nomes históricos do PT, como os ministros Fernando Haddad, Alexandre Padilha, Rui Costa e Paulo Pimenta, além de Celso Amorim, agora com status de conselheiro presidencial.
A partir daí, a sensação foi se renovando, com as indicações de segundo e terceiro escalões. A cada pouco, um novo “velho companheiro” era escolhido para presidir algum instituto, estatal, autarquia ou banco público.
Na lista estão nomes de ex-ministros das gestões anteriores, defensores da Nova Matriz Econômica – que afundou as contas públicas e o PIB –, economistas de esquerda e outros personagens com quem Lula parece ter algum tipo de dívida de gratidão.
Há também gente ligada ao sindicalismo, berço do próprio presidente, a começar pelo Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, amigo de Lula desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, nos longínquos anos 1980, época de ouro dos movimentos sindicais.
Os desempregados da gestão Dilma Rousseff – depois da extinção, no governo de Jair Bolsonaro, dos cargos que apareciam no Diário Oficial sob a sigla DAS 5 e 6 (Direção e Assessoramento Superiores) e NE (Natureza Especial) – também não foram esquecidos. Em 2011, eles ocupavam 1,3 mil cargos distribuídos em 190 órgãos públicos e constituíam a elite da administração federal, com salários médios de R$ 20 mil.
Estatais são priorizadas na estratégia de ocupação
Quando assumiu o governo, o Lula passou a ter à disposição 28.182 cargos e funções de confiança para serem preenchidos. O custo estimado deste staff é R$ 33,7 milhões ao mês, segundo levantamento da CNN com base nos decretos editados no dia 1.º de janeiro, detalhando a estrutura do Executivo. Chegava a hora do retorno da “companheirada”.
Desde a equipe de transição, formada majoritariamente por petistas, já se previa que a “República dos Companheiros” se sobreporia à ideia de um governo de “frente ampla”. O ministério empossado confirmou as expectativas e o processo de ocupação continuou pelas estatais.
Para a joia da coroa, a Petrobras, foi escolhido o ex-senador Jean Paul Prates, suplente de Fátima Bezerra, eleita ao governo do Rio Grande do Norte. Especialista em energia, Prates sempre trabalhou na área nos setores público e privado, mas o provável conflito de interesses não foi obstáculo para sua confirmação no cargo.
Mesmo com o receio do mercado de interferência na política de preços da Petrobras, que é controlada pela União mas também tem sócios privados, o nome acabou aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, junto com o de dois outros conselheiros alinhados com a gestão petista.
Prates passou a comandar a estatal brasileira que paga a maior remuneração a seu presidente: R$ 116,8 mil mensais como remuneração fixa, mais 13.º e adicional de férias, sem considerar bônus pagos de acordo com os resultados da companhia. Em 2021, por exemplo, a remuneração total (fixa e variável) somou R$ 1,6 milhão, segundo o mais recente Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais.
Subsidiária da Petrobras, a Transpetro, responsável pelo armazenamento e transporte de petróleo e derivados, fica em segundo lugar no ranking de salários de estatais. Para comandá-la, o escolhido foi Sérgio Bacci, vice-presidente do Sinaval, entidade que representa estaleiros e empresas da indústria naval.
Esse setor está prestes a ser beneficiado por um decreto protecionista, para restringir o afretamento de navios estrangeiros para a cabotagem, conforme reportagem da Gazeta do Povo.
Lula também quer que a indústria naval brasileira seja privilegiada nas encomendas da Petrobras, e para isso o governo estuda retomar as exigências de conteúdo local adotadas nos governos petistas anteriores.
Na sequência vem o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social, para onde Lula nomeou o ex-ministro Aloizio Mercadante.
Economista de perfil desenvolvimentista, Mercadante busca fazer do banco novamente instrumento de ampliação da intervenção estatal na economia, como ocorreu antes nos governos Lula e Dilma.
Por meio de crédito a juros subsidiados pelo Tesouro Nacional, a política dos “campeões nacionais” instituiu informalmente o “capitalismo de Estado”, beneficiando grandes setores da indústria e empresas selecionadas a dedo.
Mercadante nega que o banco retomará a política de subsídios, mas tem criticado a TLP – Taxa de Longo Prazo, que foi adotada pelo banco em 2018 e na prática reduziu o subsídio estatal aos empréstimos – como incapaz de promover o “desenvolvimento da indústria nacional”.
Sindicalistas nos órgãos públicos e financiamento a entidades
Lula e o PT atuaram fortemente pela nomeação de sindicalistas no “Conselhão”, Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, recriado no primeiro mês de governo.
Base de formação do PT e ferrenho apoiador da eleição de Lula, o movimento sindical cobrou sua fatura e não foi esquecido pelo governo. Foi personificado no primeiro escalão pelo Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e além dele outros egressos do movimento assumiram cargos na administração pública.
Lula indicou Vagner Freitas, ex-presidente da CUT, para o comando do Serviço Social da Indústria (Sesi). Freitas ganhou destaque nas manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff, quando defendeu “ir para as ruas entrincheirados, com arma na mão” para defender o mandato da petista.
Ele é dirigente do Sindicatos dos Bancários de São Paulo, berço histórico de fundadores e dirigentes do PT, como os ex-ministros Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, todos envolvidos em investigações como a Operação Lava Jato.
Também oriundos do Sindicato dos Bancários vieram dois novos presidentes de fundos de pensão. O maior deles, a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, passou a ser chefiado por João Luiz Fukunaga, indicado pela presidente do Banco, Tarciana Medeiros.
Para o fundo de pensão dos Correios, o Postalis, Lula nomeou Camilo Fernandes dos Santos, ainda presidente honorário do Sindicato dos Bancários. Ambos os fundos de pensão foram investigados pela Operação Greenfield por suspeitas de fraudes bilionárias.
Centrais têm pautas atendidas e cobram financiamento
Para as diretorias da Petrobras, que pagam salário médio de R$ 50 mil, Jean Paul Prates designou integrantes de entidades sindicais do setor. Entre eles José Maria Rangel, integrante da Federação Única dos Petroleiros (FUP), filiada à CUT. À frente da diretoria de obras sociais da petroleira, ele vai comandar um orçamento de R$ 450 milhões.
Além do afago aos companheiros, o governo Lula investe no relacionamento com as centrais sindicais, especialmente a CUT, a mais antiga e profundamente identificada com o PT, atendendo a pautas como o reajuste da tabela do Imposto de Renda e o aumento do salário mínimo acima da inflação.
Paralelamente, acena sempre que possível com a retomada do financiamento dos sindicatos, que sangraram com o fim do imposto sindical compulsório. Lula já disse publicamente que o ministro Luiz Marinho deve ser cobrado para “fazer o que tem que ser feito”.
Marinho promete apresentar um decreto para rever alguns pontos da reforma trabalhista e recriar uma contribuição compulsória ainda em agosto. Mesmo com poucas chances de aprovação no Congresso, nem Lula nem Marinho parecem querer desistir.
Mercado reage aos ecos da Nova Matriz Econômica
Vez ou outra, o retorno da companheirada gera maior impacto no mercado. Houve resistência ao nome de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda e, especialmente, ao de Aloisio Mercadante para o BNDES.
Mais recentemente, foi confirmado o nome do economista Márcio Pochmann para a presidência do IBGE, num episódio atabalhoado que fragilizou a ministra Simone Tebet, do Planejamento, ao qual o órgão está vinculado.
Logo depois, veio à tona o objetivo de Lula de emplacar o nome do ex-ministro Guido Mantega para a presidência da Vale – uma empresa privada – a partir de 2024, fim do atual mandato do atual CEO, Eduardo Bartolomeu.
A tentativa guarda semelhança com a pressão para trocar o presidente da Vale entre o fim do segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma. O petista passou a fazer críticas públicas ao executivo Roger Agnelli a partir de 2009 e em 2011 o governo conseguiu sua substituição.
Os agentes econômicos reagiram aos nomes de Pochmann e Mantega e no dia 27 de julho a B3 (a bolsa brasileira) fechou em queda 2,1%, com o resgate de R$ 450 milhões por investidores estrangeiros.
Pochmann, fiel representante da heterodoxia econômica do PT, acumula um histórico de declarações controversas, como a defesa da jornada semanal de 12 horas e a fala em que classificou o Pix como “instrumento do receituário neoliberal”.
Seu nome sofreu resistência até dentro do governo e a escolha virou meme na internet. O receio é de que o órgão perca credibilidade com a perspectiva de manipulação dos dados por viés político, a exemplo do que aconteceu durante a gestão de Pochmann no comando do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Guido Mantega causa calafrios no mercado por ser um dos idealizadores e executores da Nova Matriz Econômica, conjunto de medidas intervencionistas implantadas principalmente no governo Dilma, entre elas o represamento de tarifas públicas, subsídios a setores escolhidos e a redução artificial dos juros, semelhante à que Lula tentou pressionar o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a fazer.
O resultado foi o colapso das contas públicas, recessão e o rebaixamento do grau de investimento do Brasil – classificação ainda distante de ser recuperada, apesar da leve melhora da nota de crédito pela agência internacional Fitch.
Mesmo com as críticas, Lula bancou o nome de Pochmann. O de Guido Mantega foi duramente rechaçado pelos acionistas privados. O consenso é de que não passaria no Conselho de Administração, onde o governo não tem participação direta e conta apenas com dois assentos da Previ, o Fundo de Investimento do Banco do Brasil.
Lula recuou, mas a percepção entre assessores do governo é que não desistiu de Mantega. É apenas hora “colocar panos quentes”. Em meio a pausas e recuos, o projeto de poder do PT avança.