Marcelo Tognozzi: ‘Lavanderia de reputações’
(*) Marcelo Tognozzi
O Brasil de 2023 virou uma grande lavanderia de reputações. O ex-governador Sérgio Cabral, empreiteiros famosos e até artistas estão aproveitando a onda e areando o costado. O banho inclui jornais e jornalistas que, no passado, flertaram com o autoritarismo ou abusaram das versões em detrimento dos fatos.
O presidente Lula, cuja reputação foi moída pela imprensa nacional e internacional durante os anos do lavajatismo, vem lavando sua imagem e reputação desde que saiu da cadeia agraciado por uma decisão do Supremo. Só falta levar o tão cobiçado Nobel da Paz para uma desinfecção completa.
Nesta semana, a mídia amestrada anunciou a absolvição de Dilma Rousseff no caso das pedaladas fiscais que renderam seu impeachment. Absolvição confirmada em segunda instância pela Justiça Federal e comemorada pela esquerda como mais um fato que corrobora a narrativa de que Dilma foi deposta por um golpe de Estado.
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Conheci Dilma Rousseff e seu estilo bruta flor em Porto Alegre no ano 2000, quando ela era secretária de Minas e Energia do governo Olívio Dutra (PT). Uma pessoa difícil, amarga, para dizer o mínimo. De lá para cá, apesar da trajetória turbulenta, só piorou.
Essa história de golpe de Estado contra ela é uma grande e gorda fake news que não se sustenta de pé. A sentença da Justiça Federal pode até ajudar a narrativa da vitimização de Dilma e branquear sua reputação, mas não mudará a realidade.
Realidades são teimosas. Por mais que se tente, não se dissolvem feito Sonrisal. O 1º a prever o impeachment da Dilma Rousseff foi o jornalista Ribamar Oliveira, o nosso querido Riba, levado pela covid em 2021.
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Em 23 de janeiro de 2014, ele publicou no jornal Valor Econômico um artigo intitulado “O ano com 13 meses”, explicando didaticamente o que eram pedaladas fiscais e como o governo da madame as praticava. Descortinou o dom de iludir do então secretário do Tesouro Arno Augustin, ao expor a prática de agendar pagamentos para o último dia do ano, mas como o sistema bancário não funciona no dia 31 de dezembro, eles acabavam sendo executados no 1º dia útil do ano seguinte. E assim, superavits eram tirados da cartola.
Os métodos e os pormenores das pedaladas fiscais são contados em riqueza de detalhes no livro Anatomia de um desastre, dos jornalistas Cláudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira. Eles trabalharam basicamente em cima das descobertas de Riba. Ele investigou a fundo e um belo dia, depois de cruzar dados e mais dados, concluiu: “A Dilma cometeu crime de responsabilidade. Ela pode sofrer um impeachment”. Dito e feito.
Mais um pouco e a realidade das pedaladas bateu às portas do Tribunal de Contas da União (TCU), indo se aninhar no gabinete do então ministro José Múcio Monteiro Filho, atual comandante do Ministério da Defesa de Lula. Em outubro de 2016, com Dilma já apeada do poder, Múcio apresentou um relatório minucioso no qual recomendava a rejeição das contas da ex-presidente pelo Congresso.
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Foi uma conclusão estritamente técnica, assim como a apuração de Ribamar Oliveira. Os juízes da Justiça Federal que absolveram Dilma deveriam ler o livro de Safatle, Borges e Oliveira e o relatório dos técnicos do TCU. Ambos são documentos históricos, a realidade teimosa.
A lavanderia de reputações tem funcionado a todo vapor. Nesta semana, esteve em Brasília todo pimpão e debatendo a reforma tributária o mago das pedaladas Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro de Dilma. Na época em que Ribamar Oliveira apurava as pedaladas, Augustin negou a existência delas. Imaginou ser capaz de engabelar um repórter com mais de 40 anos de estrada e farta coleção de prêmios da estante.
Numa destas tentativas, Augustin jurou ter realizado em dia os repasses dos royalties do Petróleo aos municípios. Riba foi checar e descobriu o truque: as ordens bancárias foram emitidas às 17h13 e 17h33 do último dia de abril. Mas a regra diz que as ordens só serão pagas no mesmo dia se emitidas até as 17h10. Aquele abril fechou no azul. Contabilidade criativa é outro patamar…
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Não há inocentes em Brasília. Os senadores e deputados da esquerda integrantes do coro do golpe estavam no plenário da Câmara e do Senado em cada uma das fases da votação do impeachment de Dilma. O Supremo Tribunal Federal fiscalizou — e fiscalizou tanto que a ex-presidente ganhou o tratamento VIP de 2 pesos e 2 medidas e, diferentemente do ex-presidente Fernando Collor, manteve intactos seus direitos políticos. Pau que dá em Fernando não dá em Dilma.
Se o golpe foi mesmo urdido pela elite e orquestrado por Michel Temer e sua turma, a bancada dilmista está devendo à sociedade uma explicação. Por que ficaram no plenário, votaram e, desta forma, legitimaram o processo de impeachment? Se havia um golpe de Estado em curso, o natural era que não participassem do processo e o denunciassem em alto e bom tom do lado de fora dos plenários da Câmara e do Senado.
Jornalistas da estirpe de Ribamar Oliveira, Cláudia Safatle e João Borges não brigam com a realidade. Como eles, os técnicos do TCU também sabem que mais dia menos dia ela se impõe. Pode demorar dias, meses, anos ou séculos, mas a verdade acaba aparecendo.
Foi assim com as guerras de conquista, a inquisição, o stalinismo, os porões das ditaduras ou grandes roubos e injustiças. É uma força indomável. Diante dela, uma lavanderia de reputações é algo meramente transitório.
Marcelo Tognozzi, 63 anos, é jornalista e consultor independente. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management — The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madri. Escreve semanalmente para o Poder360, sempre aos sábados.