Mercado espera US$ 70 bi em investimento estrangeiro no Brasil



As perspectivas são de que, no Brasil e lá fora, 2025 seja marcado por muita incerteza e volatilidade na economia. No exterior, a preocupação é com o protecionismo de Donald Trump. No Brasil, com a política econômica do governo Lula. Apesar disso, as projeções são de que o Brasil consiga manter um nível razoável de investimento estrangeiro no setor produtivo, com estabilidade ou leve queda em relação a 2024.

A mediana das projeções coletadas pelo Banco Central aponta para um Investimento Direto no País – IDP, atual nomenclatura do Investimento Estrangeiro Direto, IED – de US$ 70 bilhões neste ano, pouco abaixo do valor registrado em 2024 (US$ 71,1 bilhões).

Os valores são líquidos, ou seja, já excluem as saídas de recursos, e consideram desembolsos na “economia real” – compra de empresas, desenvolvimento de produtos, construção ou ampliação de fábricas e outras operações.

O IDP do ano passado, que representou uma recuperação em relação ao desempenho mais fraco de 2023 (US$ 62,4 bilhões), chama atenção porque ocorreu no mesmo ano em que o fluxo cambial – o resultado de todas as entradas e saídas de dólar, para diferentes finalidades – ficou negativo em US$ 18 bilhões, a maior fuga de dólares em quatro anos e também o terceiro pior resultado da série histórica. O IDP de 2024 também superou as projeções do mercado feitas início do ano, que indicavam entrada de US$ 59 bilhões.

Relatório publicado em outubro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – conhecida como “clube dos países ricos”, embora não se limite a isso – colocou o Brasil como segundo maior destino de investimento estrangeiro direto do mundo, atrás apenas dos EUA. O dado se referia aos ingressos de recursos de janeiro a junho de 2024.

Apesar da relativa estabilidade em meio a um cenário turbulento tanto dentro quanto fora do país, os dados mais recentes do IDP estão longe dos melhores momentos da série histórica.

Em várias ocasiões os estrangeiros investiram mais de US$ 70 bilhões do país num único ano. Em valores absolutos, o pico foi de US$ 102 bilhões em 2011.

Na comparação com o PIB, os melhores desempenhos ocorreram pouco antes da virada do século, com ingressos líquidos equivalentes a 4,7% e 5% do PIB, respectivamente. Em anos mais recentes, destaques para os IDPs de 2018 (4,1% do PIB) e 2022 (3,8% do PIB). Em 2023 e 2024, as entradas corresponderam a 2,8% e 3,2% do PIB, respectivamente.

“A previsão de mercado tem enfrentado dificuldades nesse componente, assim como no PIB”, diz Igor Celeste, gerente de Inteligência de Mercado da ApexBrasil. Para 2025, ele diz que “tudo dependerá do comportamento da economia brasileira em um ambiente global que será bastante volátil e incerto”.

Para Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), ainda que o fluxo cambial negativo e o bom resultado do IDP em 2024 pareçam incoerentes, não o são. Isso porque, enquanto o fluxo de capitais é em sua maioria volátil e responde a questões mais imediatas, o investimento direto mira o longo prazo. As empresas investem agora esperando retornos que podem aparecer daqui a dez ou 20 anos.

“E o Brasil segue atraente, em razão do tamanho do país, do mercado interno, de sua localização, dos potenciais agrícolas e minerais, que são realmente excepcionais em comparação com outros países. Água, energia, também”, explica.

Enquanto isso, o investimento em carteira (títulos, ações e outros) costuma ser de prazo mais curto. “São decisões mais imediatistas, tomadas por fundos de investimento, que examinam os dados do Brasil, dos países concorrentes e também das aplicações do Tesouro norte-americano, e tomam suas decisões em função disso”, diz.

Nos últimos 11 anos, o índice MSCI EM, que avalia o retorno de aplicações em economias emergentes, superou o S&P 500 apenas em 2017. As ações nos EUA tiveram rendimento dez vezes superior (430%) ao de países emergentes, segundo a Bloomberg, o que faz com que investidores prefiram o mercado americano para rentabilizar seus recursos.

Em 2024, à exceção de Malásia e Hong Kong, as principais moedas emergentes se desvalorizaram, com nove delas caindo mais de 10%. A moeda brasileira deve desvalorização de mais de 20%.

Investimento estrangeiro direto forma capital fixo, mais difícil de reverter

A professora de Economia Cristina Helena de Mello, da PUC-SP, explica que os investimentos externos diretos compõem a formação bruta de capital fixo (FBCF), o que faz com que seja muito mais difícil desinvestir, já que demanda venda dos ativos.

“É a construção de novas fábricas, novos negócios, instalações. Eles são difíceis de reverter. Uma vez que você cria uma fábrica, que você faz uma instalação, você precisa comercializar, vender essa instalação para sair do país”, explica.

Nesse sentido, o relatório da OCDE aponta que os fluxos de IED permaneceram estáveis para o Brasil na comparação com 2023 devido aos movimentos de empréstimos intraempresariais e maiores lucros reinvestidos pelas empresas.

De acordo com o Banco Central, em 2024, o reinvestimento de lucros no Brasil foi da ordem de US$ 33 bilhões, sendo que as operações intercompanhia (repasse de dinheiro da matriz estrangeira para a filial brasileira, por exemplo) somaram US$ 11 bilhões.

Estoque de IDP chega a 46,8% do PIB

De acordo com a ApexBrasil, em 2023 o estoque de IED no Brasil chegou a US$ 1,315 trilhão, ou 46,8% do PIB naquele ano. A grandeza do volume, quase metade do PIB, demonstra o quanto o capital estrangeiro é importante para o crescimento do país.

Arno Gleisner explica que, no longo prazo, os investidores olham para o tamanho do país e para o seu potencial agrícola, industrial, além do tamanho do seu próprio mercado interno, sua localização geográfica.

Além disso, ele avalia que o “movimento atual é de nearshoring”, termo em inglês que indica a busca por fornecedores e parceiros comerciais com proximidade geográfica. É uma política que em voga nos Estados Unidos, por exemplo, que têm buscado reduzir sua dependência de fornecedores asiáticos.

A prática também é uma das justificativas para o alto volume de investimentos em novos projetos. Do total de IED em 2024, US$ 34,6 bilhões foram investidos em greenfield, ou seja, em novos projetos, conforme estimativas da ApexBrasil.

Cerca de 75% desse montante será destinado para os segmentos de fabricação automotiva, celulose, energias renováveis, computação/serviços de software e biotecnologia/ciências da vida.

Fuga de dólares deve seguir nos próximos meses

Segundo a Bloomberg, no ano passado os investidores estrangeiros retiraram US$ 32,1 bilhões da Bolsa brasileira. Daniel Gewehr, estrategista-chefe de ações (LatAm) do Itaú BBA, defende que esses recursos são de fundos de investimento, por exemplo, que têm uma visão de curto prazo, de até dois anos, diferentemente do que ocorre com aqueles em IED.

Dependendo das características do investidor, suas decisões podem se basear tanto nas perspectivas de crescimento da bolsa, quanto, por exemplo, nas projeções de lucro para as empresas, explica Gewehr. No segundo caso, quando há uma alta dos juros, como começou a ocorrer a partir de setembro do ano passado, as expectativas de lucro das empresas caem e, portanto, elas se tornam menos atrativas.

Avaliações do HSBC e do Morgan Stanley listaram desde o ambiente “tóxico” do Brasil – com altas taxas de juros, moeda fraca e crescimento mais lento – e as preocupações sobre o real compromisso do governo em controlar os gastos públicos para justificar as decisões dos investidores de retirar seus recursos do país.

Em dezembro do ano passado, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) elevou a taxa de juros para 12,25%, diante do aumento da inflação e do déficit nas contas do governo. Em janeiro, o Copom confirmou as expectativas de nova elevação em um ponto percentual, elevando a Selic para 13,25%. As previsões do mercado são de que os juros cheguem a 15% neste ano.

Diante desse cenário, Gewehr estima que, nos próximos meses, as expectativas são de que a fuga de capital estrangeiro na bolsa seja mantida. Em janeiro, por exemplo, dados preliminares do Banco Central apontam para uma nova saída de capitais da ordem de R$ 6,7 bilhões, a segunda maior da história. Os números são atípicos para janeiro, quando a conta cambial costuma ficar positiva para o país.

No entanto, no Gewehr vislumbra que o equilíbrio possa ser retomado à medida que as políticas monetárias do Banco Central comecem a surtir efeito.

Série histórica do Investimento Direto no País (IDP) – antigo Investimento Estrangeiro Direto (IED)

1995 – US$ 4,4 bilhões (0,6% do PIB)
1996 – US$ 10,8 bilhões (1,3% do PIB)
1997 – US$ 19,0 bilhões (2,2% do PIB)
1998 – US$ 28,9 bilhões (3,3% do PIB)
1999 – US$ 28,4 bilhões (4,7% do PIB)
2000 – US$ 33,0 bilhões (5,0% do PIB)
2001 – US$ 23,2 bilhões (4,2% do PIB)
2002 – US$ 16,6 bilhões (3,3% do PIB)
2003 – US$ 10,1 bilhões (1,8% do PIB)
2004 – US$ 18,2 bilhões (2,7% do PIB)
2005 – US$ 15,5 bilhões (1,7% do PIB)
2006 – US$ 19,4 bilhões (1,8% do PIB)
2007 – US$ 44,6 bilhões (3,2% do PIB)
2008 – US$ 50,7 bilhões (3,0% do PIB)
2009 – US$ 31,5 bilhões (1,9% do PIB)
2010 – US$ 82,4 bilhões (3,7% do PIB)
2011 – US$ 102,4 bilhões (3,9% do PIB)
2012 – US$ 92,6 bilhões (3,8% do PIB)
2013 – US$ 75,2 bilhões (3,0% do PIB)
2014 – US$ 87,7 bilhões (3,6% do PIB)
2015 – US$ 64,7 bilhões (3,6% do PIB)
2016 – US$ 74,3 bilhões (4,1% do PIB)
2017 – US$ 68,9 bilhões (3,3% do PIB)
2018 – US$ 78,2 bilhões (4,1% do PIB)
2019 – US$ 69,2 bilhões (3,7% do PIB)
2020 – US$ 38,3 bilhões (2,6% do PIB)
2021 – US$ 46,4 bilhões (2,8% do PIB)
2022 – US$ 74,6 bilhões (3,8% do PIB)
2023 – US$ 62,4 bilhões (2,8% do PIB)
2024 – US$ 71,1 bilhões (3,2% do PIB)



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