‘Não vão sair de lá’


O repórter Edilson Salgueiro, da Revista Oeste, passou a madrugada de quinta-feira 1º no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, para conversar com os brasileiros que protestam contra a escalada autoritária imposta pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os protestos tiveram início logo depois do resultado das eleições presidenciais, que culminaram com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Pernambuco e Santa Catarina, por exemplo, ainda são palco de manifestações.

Em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro, exibido no canal da Revista Oeste no YouTube, Salgueiro relata que os manifestantes não pretendem voltar para casa até que as Forças Armadas deem uma resposta — seja para iniciar uma intervenção federal, seja para atestar o resultado das urnas. “Muitos estão dispostos a ficar ali o tempo que for possível”, contou o jornalista.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o perfil dos manifestantes?

O público é bem diversificado. Há crianças, adolescentes, adultos e idosos. São pessoas que tiraram dinheiro do próprio bolso para estar ali. Portanto, não há nenhum financiamento. É gente que trabalha e, em seu tempo livre, desloca-se até o local para protestar. Os manifestantes têm uma resistência em relação à imprensa, porque eles acham que estão sendo menosprezados de alguma maneira.

Como funciona a organização do movimento?

Vou pegar um termo emprestado do economista Friedrich Hayek, da Escola Austríaca de Economia: há uma “ordem espontânea” nas manifestações. Não há nenhuma organização centralizada, é 100% voluntarismo. Em solidariedade, as pessoas que passam pelo local levam alimentos para os manifestantes. Entre outras histórias, há a de uma senhora que usou a própria aposentadoria para comprar barraca para os manifestantes. As pessoas estão se manifestando de maneira ordeira e pacífica, pedindo e clamando por liberdade. Não há sujeira nos arredores. Não tem lixo. É um movimento pacífico e organizado.

Como o senhor traduz o sentimento dessas pessoas?

Existe uma indignação com o atual estado de coisas. Uma parte das pessoas está insatisfeita com o Supremo Tribunal Federal, especificamente com o ministro Alexandre de Moraes. Outra parcela dos manifestantes critica o TSE, porque têm certeza que houve algum tipo de problema na eleição. Os manifestantes entendem que o problema começa na soltura de Lula e termina na eleição do petista nas eleições.

Há pessoas que não voltam para casa?

Uma minoria praticamente largou a vida para viver no acampamento. Endividados, recebem ligações de bancos, que perguntam aos manifestantes quando vão pagar as contas. Isso não faz a menor diferença para esses manifestantes. O que eles querem é que haja um processo de mudança na política brasileira. Para isso, estão dispostos a ficar ali o tempo que for necessário.

Dá para saber quantas pessoas estão no local?

Difícil calcular. Como fiquei no local por 12 horas, na quarta-feira 30, vai ser completamente diferente ao voltar no sábado, por exemplo, que é mais cheio. Mas há milhares de pessoas, certamente.

Quando eles pretendem sair do Comando Militar do Sudeste?

Não vão sair de lá até que haja uma resposta das Forças Armadas. Não significa que essa resposta seja uma intervenção. Então, se os militares disserem “acabou, vamos para casa”, eles irão embora. Satisfeitos ou não, mas irão. Os manifestantes esperam um pronunciamento oficial dos militares, e não do presidente Jair Bolsonaro [PL]. As pessoas fizeram questão de salientar isso, porque alguns veículos de imprensa, durante a cobertura no local, tentaram vincular esses manifestantes a Bolsonaro. Os manifestantes fizeram questão de falar que não têm nada a ver com isso. Trata-se de uma questão de liberdade.

O senhor foi recebido sem hostilidade?

Não demorou 15 minutos para a gente se enturmar. Em princípio, as pessoas têm receio do tratamento que recebem da imprensa. Houve relatos de que alguns veículos de comunicação não conseguiram entrar lá, porque estavam retratando uma imagem com que os manifestantes não concordavam, não achavam legítimo. Fiquei lá das 22 horas de quarta-feira às 8 horas de quinta-feira. Serviram-me canjica, comi lanche. Fui bem tratado e me convidaram para voltar ao quartel. No fim das contas, por você tratar essas pessoas de forma decente, elas te levam a sério.

Havia faixas em inglês no local?

Sim. A intenção dos manifestantes é passar para o mundo uma imagem de que o Brasil está com defasagem de liberdade. As pessoas estão sendo cerceadas, de alguma maneira, e essas faixas em inglês são para isso.

Há uma preocupação com possíveis infiltrados?

Sim. Na terça-feira 29, circulou um vídeo nas redes sociais que mostrou alguns manifestantes invadindo o Congresso. No entanto, essas pessoas não estão vinculadas aos movimentos dos quartéis.

Como o senhor acha que os militares reagirão?  

Dentro dos quartéis, em específico do Ibirapuera, a postura é de respeito. As pessoas relatam que são bem-vistas e respeitadas. Dentro da caserna, sim, mas não há um consenso entre os militares. O povo tem uma convicção muito forte de que as Forças Armadas não vão deixar essas pessoas desalentadas. Eles têm convicção de que os militares vão agir antes de 1º de janeiro.





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