Novos decretos do saneamento mantém privilégio a estatais sem licitação
Os novos decretos que o governo federal publicou no Diário Oficial da União (DOU), nesta quinta (13), para modificar o marco legal do saneamento ainda devem privilegiar estatais estaduais que mantêm contratos de prestação de serviço sem licitação com municípios. As situações irregulares, no entanto, deverão ser saneadas até 31 de dezembro de 2025, para que seja mantido o acesso aos recursos.
Com os novos decretos, companhias municipais também poderão prestar o serviço sem licitação, desde que elas façam parte da estrutura administrativa da prefeitura.
Ao portal Poder360, especialistas disseram considerar que os novos textos ainda privilegiam estatais do setor. “É um desestímulo ao investimento potencial das entrantes no setor, que podem dinamizar o mercado e injetar maior volume de recursos, que é o que a gente precisa. As medidas deveriam ajudar o saneamento chegar, ajudar a população, sobretudo a mais pobre. Mas o que vemos é uma ajuda às corporações”, afirmou o economista Cláudio Frischtak, sócio-gestor da Inter.B Consultoria.
Edição de decretos faz parte de acordo de Lula com Congresso
A edição de novos decretos que alteram o marco do saneamento faz parte de um acordo entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o Congresso. Em abril, dois outros atos presidenciais promoveram mudanças na legislação do setor, mas, na sequência, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de decreto legislativo (PDL) para suspender as modificações.
Para evitar uma provável nova derrota no Senado, o Planalto decidiu redigir novos atos em que cede a interesses de parlamentares. Em contrapartida, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), retirou da pauta do plenário da Casa a análise do projeto de decreto legislativo (PDL) que derrubaria as medidas do governo.
“O governo entendeu
a mensagem da Câmara e do Senado, e creio que chegamos a um denominador comum.
O governo decidiu revogar os dois decretos e publicar dois novos, retirando dos
textos tudo o que for considerado ofensivo de ser feito por esse instrumento”,
disse o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), na sessão plenária de
terça-feira.
O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), por
sua vez, disse ter ficado “confortável” com a solução anunciada pelo governo. “Vários
senadores e deputados, que representam a sociedade civil, estavam preocupados
com a forma como os decretos foram editados, que, na nossa opinião, e o governo
reconhece, iam contra o espírito da lei”, disse.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura (CI) e relator do PDL, também se disse satisfeito com o entendimento. “O tempo foi passando, e o tempo é o senhor de tudo, e o certo é que hoje, num entendimento extraordinário entre a oposição e a situação, se conseguiu chegar a esse bom termo em que o governo recua e se editam novos decretos. Eu cumprimento a todos, e foi a melhor saída possível, a desse entendimento.”
Segundo o jornal O Globo, a intenção do Ministério das Cidades é o de manter o principal objetivo dos decretos anteriores, que seria garantir a continuidade da prestação do serviço à população e evitar que vários municípios que não se adaptarem à legislação fiquem impedidos de receber recursos públicos.
Tanto quanto o mérito dos decretos, incomodava os
parlamentares o fato de os textos assinados por Lula não apenas regulamentarem
a legislação, mas a modificarem, o que configuraria uma interferência do
Executivo em prerrogativas do Congresso.
Uma das mudanças mais controversas dos decretos assinados
por Lula em abril foi a permissão para que companhias estatais estaduais mantivessem
a prestação de serviços de coleta e tratamento de esgoto e de fornecimento de
água potável sem a necessidade de licitação. O governo liberava as empresas de
comprovarem capacidade econômico-financeira para a manutenção dos contratos.
Outro ponto polêmico foi o fim do limite de 25% para a realização de Parcerias Público-Privadas (PPP) pelos estados, o que, na prática permite a manutenção de contratos entre empresas públicas e prefeituras, ainda que os serviços sejam prestados pela iniciativa privada, de forma terceirizada.
Marco do saneamento trouxe estímulos à concorrência
Sancionado em julho de 2020, o marco do saneamento trouxe
estímulos à concorrência no setor, com dispositivos que estabeleceram
justamente a vedação a contratos sem licitação entre municípios e estatais de
saneamento.
O marco também estabeleceu metas de universalização dos
serviços de saneamento até 2033, com atendimento mínimo de 99% da população com
fornecimento de água, e de acesso a coleta e tratamento de esgoto a pelo menos
90% dos domicílios.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apontam que a ausência de água tratada ainda atinge quase 35 milhões de pessoas, e que cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto. Somente metade do volume coletado é tratado. Segundo o Instituto Trata Brasil, o equivalente a 5,3 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento é despejado na natureza todos os dias.
Um decreto editado ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estabeleceu uma metodologia de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas de saneamento. Pela regra, 1.113 municípios, que reúnem 29,8 milhões de brasileiros, tiveram contratos com prestadores estaduais declarados irregulares e, portanto, não poderiam contar com verbas federais para buscar a universalização.
Após a aprovação do marco legal, quatro ações foram apresentadas no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da lei, duas delas protocoladas por partidos de esquerda: uma pelo PDT e outra em conjunto por PCdoB, PSOL e PT.
As outras duas foram impetradas pela Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento e pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento. Em dezembro de 2021, por 7 votos a 3, o STF considerou constitucional o texto do marco legal.