O que “Xuxa, o Documentário” tem de melhor. E de pior
Com o lançamento do quinto episódio – intitulado Uma Velha Chocante – na tarde da última quinta-feira (10), chegou ao fim Xuxa, O Documentário. Um dos produtos mais debatidos no audiovisual mesmo antes do primeiro capítulo ser disponibilizado pelo Globoplay, a minissérie dividiu opiniões, perdeu espectadores ao longo do caminho e, provavelmente, só satisfez plenamente à estrela sexagenária.
Mas claro que até a série mais criticada pode oferecer pontos de interesse. Um belo exemplo está exatamente no episódio final. Mesmo com uma boa parte do material dedicada a exaltar “como Xuxa envelheceu bem”, há um trecho bastante curioso que espia como se deu seu relacionamento de seis anos com o Rei Pelé. O flerte que virou amizade colorida e depois namoro é revivido por meio de propagandas que o casal fazia junto, reportagens que hoje soam muito engraçadas e depoimentos de amigos. Pouco depois, o documentário já passa a falar do atual par romântico da apresentadora, o ator e cantor sem hits Junno, e o interesse vai embora.
Por esse caráter ambíguo, Xuxa, O Documentário merece ser abordado em seus aspectos positivos e negativos. A seguir, três itens apontando o que a série dirigida pelo jornalista Pedro Bial tem de melhor e três itens apontando o que ela tem de pior.
O MELHOR
Marlene Mattos: A maranhense linha dura entrou na empreitada para ser a vilã da história. Mesmo antes de protagonizar um debate com Xuxa no quarto e mais aguardado episódio, a cão de guarda da loira já havia sido citada negativamente diversas vezes. A impressão passada por Xuxa é que ela esperava que sua antiga empresária ajoelhasse no milho e pedisse desculpa por tudo de ruim que trouxe para sua vida, para a vida das paquitas e da humanidade em geral. Pois Marlene, com muita fibra, bate no peito e não se arrepende de nada! Reconhece que foi cruel em muitas situações, por vezes gargalhando de certos absurdos proferidos, e diz até que poderia ter agido diferente aqui e acolá. Mas, no geral, não se dobra. E recorda como era a televisão e o showbusiness nos anos 80 e 90 para justificar sua braveza. Ela era uma mulher limpando o caminho para que outra mulher brilhasse intensamente e atingisse patamares que poucos artistas brasileiros chegaram perto. O que leva ao segundo item…
A dimensão do sucesso de Xuxa: Especialmente no segundo capítulo, O Mundo aos seus Pés, o leigo ou quem estava fazendo algo mais importante à época entende o tamanho do estouro da gaúcha. Anitta concorrendo a um prêmio da MTV? O que é isso diante de uma brasileira idolatrada na Argentina e em toda a América Latina, gravando programa na Espanha e nos Estados Unidos, mesmo falando um espanhol nota 6 e um inglês nota 4? Xuxa, em seus primeiros 20 anos de estrelato, foi um fenômeno. Chegou à Globo dando 30 pontos de ibope pela manhã, vendia LPs a rodo mesmo sem saber cantar (a passagem com os compositores Michael Sullivan e Paulo Massadas é criminosamente pequena), fazia até Michael Jackson correr atrás dela. Não por acaso, estima-se que sua fortuna acumulada supere a de Madonna.
A estética sem botox dos anos 80 e 90: Por utilizar muitas cenas de arquivo, Xuxa, O Documentário naturalmente recupera o que foi o mundo artístico no fim do último século. Entre revistas com Xuxa e Luiza Brunet na capa, assistentes de palco que ajudavam a apresentadora a conter a fúria da criançada e celebridades que orbitavam o entorno, há um Brasil em que os sorrisos não eram alinhados nem brilhavam no escuro e os rostos não eram repuxados ou plastificados como os dos artistas atuais. O despojamento dos anos 80 e 90 ficou por lá mesmo e desperta muita saudade em quem não teve o senso estético corrompido por inovações tecnológicas que só tapeiam quem quer ser tapeado
O PIOR
Pedro Bial: O diretor é o maior “entrão” da série documental. Sua cabeça, sua voz e suas risadas invadem a tela o tempo todo. Xuxa fala o seu nome a cada depoimento e ele retribui a chamando de “Xu”. Por vezes, parece que estamos assistindo ao Conversa com Bial, seu aborrecido talk show exibido nas madrugadas. O intrigante é que o jornalista já dirigiu projetos de maneira muito mais sensível e discreta, caso do genial O Filho do Holocausto, que narra a trajetória do músico e profeta Jorge Mautner.
O terceiro episódio todinho: É nele que Xuxa aborda sua reação com Ayrton Senna e seu luto como viúva, mesmo que o piloto estivesse apaixonadamente namorando Adriane Galisteu à época do acidente fatal. A ausência de Adriane no documentário é de uma indelicadeza atroz e só reforça sua forte tendência a ser chapa branca. O capítulo segue falando dos amores de Xuxa e do momento em que pariu a filha Sasha. Quando está beirando o insuportável, o episódio ganha um alento ao tratar do dia em que o cenário de Xuxa pegou fogo. Mas é pouco.
A própria Xuxa: uma declaração resume o vitimismo da apresentadora e sua incapacidade de reconhecer a parcela de culpa em certos eventos que ela hoje vê como traumáticos. Já pertinho do fim da série, Xuxa diz não entender o motivo de ter sido alvo de tanta gente ruim, que se aproximou dela só para enganá-la. Parece uma criança de oito anos falando, não uma senhora que há seis décadas vive neste planeta, tempo suficiente para ter abandonado esse maniqueísmo de que só faz o bem, enquanto os outros fazem o mal. Claro que o espectador volta a pensar em Marlene nessa passagem, mas, depois das cinco horas desse doc, certamente não mais como a megera que controlava e infernizava a vida da rainha dos baixinhos. Xuxa conseguiu humanizar Marlene.