Reforma derrubará decisão do STF que proibiu IPVA sobre jatinhos e iates
Uma das novidades da reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados é a possibilidade de estados cobrarem IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) sobre aeronaves e embarcações, em vez de apenas sobre carros e motos. Trata-se de uma demanda antiga dos governadores e boa parte dos parlamentares, com o fim de tributar pessoas mais ricas, mas que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de 20 anos, em 2002. Na época, tentavam validar a cobrança São Paulo e Amazonas. Em 2008, a Corte também proibiu o Rio de Janeiro de cobrar o imposto sobre aviões e barcos.
Em todos esses julgamentos, prevaleceu entre a maioria dos ministros uma interpretação literal da Constituição, que diz que o imposto incide sobre a propriedade de “veículos automotores”, termo comumente associado a meios de transporte terrestres.
Leis ordinárias fazem essa diferenciação. O Código de Trânsito Brasileiro, de 1997, diz que veículo automotor é aquele que faz transporte “viário”. O Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, diz que aeronave é o “aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo”. Já o Código Marítimo, de 1984, define embarcação como meio de transporte por água.
A simplicidade dessas definições sempre guiou o Supremo. Desde o primeiro julgamento, somente dois ministros, já aposentados, divergiram: Marco Aurélio Mello e Joaquim Barbosa. Ambos não viam sentido em tributar a classe média que tinha carros e não a classe alta que possuía jatinhos e iates. Os demais ministros, quase todos também já aposentados, apegaram-se à literalidade do texto constitucional e ao histórico do IPVA, que substituiu a antiga Taxa Rodoviária Única (TRU), estabelecida em 1969.
O IPVA surgiu inicialmente em São Paulo e Rio de Janeiro,
ainda em 1985, já tendo como objetivo taxar aeronaves e embarcações. A Constituição
original de 1988 não previa o imposto, que foi inserido em 1993 com uma emenda
que falava em “veículos automotores”.
O apego do STF à expressão, para interpretá-la de modo que compreendesse apenas carros e motos se deu pelo chamado princípio da legalidade, válido tanto no direito penal quanto no tributário: de que um crime ou tributo só pode ser cobrado se estiver expressamente inscrito na lei ou na própria Constituição.
Apesar de a atual reforma tributária, inscrita na PEC 45,
focar no consumo, o apelo de vários parlamentares levou o relator, Aguinaldo Ribeiro
(PP-PB) a mudar o IPVA, um imposto sobre propriedade, para incidir sobre “veículos
automotores terrestres, aquáticos e aéreos”.
“O modelo atualmente adotado possui acentuada incoerência se
analisado do ponto de vista da isonomia e da capacidade contributiva, princípios
basilares de nosso Sistema Tributário. Não é justo que o contribuinte de classe
média arque com a tributação da propriedade de seu carro ou sua moto usados
enquanto donos de lanchas, iates e jatinhos são desonerados”, diz o relatório
do deputado.
“A intenção da proposta é trazer mais isonomia à tributação do patrimônio, permitindo que bens de alto valor e utilizados para fins recreativos sejam onerados da mesma forma que os carros utilizados pelas famílias para seu deslocamento diário. Trata-se de medida que trará maior progressividade ao Sistema Tributário e que é demanda recorrente de grande parte dos parlamentares, independentemente de legislatura ou de partido”, argumenta em seguida.
“IPVA verde” pode aumentar imposto sobre veículos
Atualmente, cada estado cobra anualmente dos proprietários
de motos e carros de 2 a 4% do valor venal do veículo, estimado pelo próprio
poder público com base na tabela Fipe. Muitas pessoas e empresas optam por
emplacar seus carros em estados com alíquotas mais baixas, com Minas Gerais,
para pagar menos por ano, ainda que circule fora do estado.
A reforma tributária permitirá alíquotas maiores, porque os
estados poderão levar em conta o impacto ambiental dos veículos: os que
emitirem mais carbono poderão ter mais taxados. O valor também continuará influenciando:
quanto mais caro, maior o imposto cobrado.
Na advocacia tributária, há profissionais que consideram que
o aumento e a expansão do tributo vai gerar disputas judiciais.
“Vai ter estado determinando que um certo carro emite uma medida
de carbono, mas uma montadora ou dono poderá apresentar laudo dizendo que fez
testes e que emite metade. Ou seja, vai dar briga”, diz Maria Carolina Torres
Sampaio, sócia e head da área tributária do GVM Advogados.
Outra disputa pode ser dar sobre as exceções. A reforma diz que não pagarão IPVA proprietários de aeronaves, tratores e máquinas agrícolas, empresas ou pessoas donas de barcos de transporte e de pesca. “Vai ter dono de iate de luxo, registrando o barco como de pescaria para isenção de IPVA”, prevê a advogada.