Reforma tributária no Senado já recebeu mais de 1,2 mil emendas



Aprovado em julho na Câmara, o projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, que regulamenta a reforma tributária, deve passar por modificações no Senado e, com isso, terá de voltar à análise dos deputados. Vários pontos do texto ainda geram controvérsia e são questionados pelo governo, por setores afetados diretamente pelas novas regras e por tributaristas.

Um sinal de que a reforma está longe de um consenso é a quantidade de emendas apresentadas por senadores: foram mais de 1,2 mil. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado já realizou 12 audiências públicas sobre a reforma e deve fazer pelo menos mais duas.

Como a proposta tramita em regime de urgência, tem prazo de análise de 45 dias em cada casa legislativa. Com isso, passou a trancar a pauta do plenário do Senado a partir desta segunda-feira (23). O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pede ao governo que cumpra o acordo firmado em agosto com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e retire a urgência. Os parlamentares só pretendem votar a reforma após as eleições municipais.

Pela emenda constitucional promulgada no fim do ano passado, até 2033 serão totalmente substituídos os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que, juntos, formarão um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) “dual”. 

Além disso, a reforma criará o Imposto Seletivo, chamado informalmente de “imposto de pecado” e voltado à sobretaxação de produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente. 

O PLP 68 estabelece regras mais específicas da reforma, como os bens e serviços que serão alvo do imposto seletivo, o modelo de funcionamento do sistema de cashback e os itens que terão isenção ou redução tributária, por exemplo.

As principais polêmicas em torno do texto aprovado pelos deputados dizem respeito justamente às exceções à tributação padrão. Já durante a tramitação da matéria na Câmara, uma guerra de lobbies setoriais fez com que a proposta do governo fosse bastante modificada. 

Entre as mudanças, passaram a ser isentos de IBS e CBS, na versão aprovada, itens como carnes, peixes, queijos e sal, óleo de milho, aveia e farinhas e até flores ornamentais, além dos chamados “nanoempreendedores”. Já na lista de alíquota reduzida em 60% entraram pão de forma, extrato de tomate, medicamentos, insumos agropecuários e aquícolas, produção audiovisual, entre vários outros produtos ou serviços.

Setores querem alíquotas menores e mudanças em regras de isenção ou desoneração 

Representantes de diversas atividades econômicas, no entanto, ficaram insatisfeitos com a versão do substitutivo que passou, entre eles o setor imobiliário, já beneficiado com uma alíquota reduzida dos novos impostos, mas que defende um desconto maior. 

Entidades como a Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC) calculam um aumento de até 51,7% na tributação sobre operações de compra e venda de imóveis e de até 136,2% no de aluguéis, o que elevaria os custos das transações imobiliárias no país. 

No setor de fármacos, há reclamação em relação à sistemática de isenção, baseada em uma lista de princípios ativos que terão direito ao benefício. Para a Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o modelo dificulta a inovação no setor, uma vez que o espaço de tempo entre o lançamento de uma nova formulação e sua inclusão na lista de alíquota zero pode desestimular a pesquisa na área. 

No setor de saneamento, logo após a aprovação do PLP 68 pela Câmara, uma coalizão de entidades e empresas lançou uma carta pública endereçada ao Congresso e à sociedade civil relatando os efeitos que o aumento da carga tributária sobre o setor pode gerar. 

O manifesto é assinado pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon Sindcon), pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e pelas empresas de saneamento Sabesp, de São Paulo, Copasa, de Minas Gerais, e Casal, de Alagoas.  

Conforme o texto que vai à análise do Senado, o saneamento passará a ser tributado pela alíquota padrão de IBS e CBS, estimada pela Fazenda em 28%, a maior do mundo. “Hoje, devido à sua relevância social e de saúde pública, o setor tem uma taxação de 9,74%”, destaca o grupo de instituições. 

“Além do aumento na conta de água da população, a alta na elevação de impostos pode comprometer investimentos futuros, necessários para a universalização do setor prevista em lei”, diz o texto. 

Prestadores de serviço, profissionais liberais e associações de empresas que vão de comerciantes de materiais de construção à indústria de dispositivos médicos também reclamam de aumento de carga tributária. 

O governo, por outro lado, quer que os senadores reduzam a lista de exceções. Após a aprovação do texto pela Câmara, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou que quanto mais isenções ou desonerações a regulamentação da reforma incluir, maior tende a ser a alíquota padrão para os demais bens e serviços.

“Não podemos inverter a lógica da reforma. A lógica da reforma é manter a carga tributária. Quanto menor o número de exceções, menor a alíquota. Quanto maior o número de exceções, maior a alíquota”, disse o ministro na época. 

Pelos cálculos do Ministério da Fazenda, as alterações feitas pela Câmara na proposta de regulamentação da reforma elevaram de 26,5% para 28% a alíquota padrão dos novos impostos.

Alvos do “imposto do pecado” também geram insatisfação com reforma tributária

A análise do PLP 68 no Senado deve trazer de volta também o debate sobre as atividades que devem ser tributadas com o Imposto Seletivo. Produtos que escaparam da sobretaxação, como armas e munições, agrotóxicos e alimentos ultraprocessados devem voltar a ser alvo de campanhas pelo recolhimento do “imposto do pecado”. 

Já os setores que entraram na lista do Imposto Seletivo devem atuar junto aos senadores para conseguir ao menos alíquotas menores do tributo. A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerante e Bebidas não Alcoólicas (Abir), por exemplo, considera que colocar bebidas açucaradas entre os alvos do “imposto do pecado” é “discriminatório e ineficaz”. Para a Abir, “o argumento de que diminuir o consumo desses produtos levará a uma redução da obesidade no país não encontra respaldo nas pesquisas”. 

A incidência do Imposto Seletivo sobre bebidas alcoólicas sempre foi aceita pelas indústrias do setor, que hoje já recolhem uma alíquota de caráter regulatório do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). 

Há, no entanto, uma controvérsia envolvendo a base de cálculo do imposto: enquanto a indústria cervejeira defende que a alíquota seja estipulada considerando o teor alcoólico dos produtos, os fabricantes de destilados querem um imposto único para o setor.  

Durante as audiências públicas realizadas pela Câmara dos Deputados para formulação do relatório ao PLP 68, o presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), José Eduardo Cidade, ressaltou que a cerveja responde por mais de 90% do consumo de álcool no país, mas que as empresas do segmento que ele representa acabam pagando mais impostos.  

O substitutivo aprovado na Câmara manteve a tributação progressiva por teor alcoólico, dando ganho, até agora, às cervejarias. 

No caso da indústria automotiva, a derrota na votação dos deputados foi em dobro: além de não lograr êxito com a campanha pela retirada dos veículos à combustão do Imposto Seletivo, ainda viu entrar na lista os híbridos e elétricos. 

“Ao adotar a medida, iremos na contramão, dificultando o acesso a modelos menos poluentes e mais seguros, e retardando de forma temerária a renovação da frota nacional”, criticou o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio Lima Leite. 

Setores de extração mineral, como o de petróleo, gás natural e minério de ferro, conseguiram uma redução na alíquota máxima do Imposto Seletivo, que caiu de 1% para 0,25%. Ainda assim, entidades que representam os segmentos consideram a sobretaxação prejudicial à economia do país.  

“Em todos os países do mundo que adotam o Imposto Seletivo, ele nunca é previsto para produtos industriais, insumos para a fabricação de outros bens e que estejam na base da cadeia produtiva, assim como o petróleo, gás natural e minérios”, declarou o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás Natural (IBP) em nota.

“Com isso, a imposição de uma alíquota sobre as atividades de petróleo e gás vai gerar um aumento de custos em todas as cadeias produtivas que chegarão até os consumidores finais de uma ampla gama de produtos”, diz o texto.  

Trava em alíquota padrão da reforma tributária deve ser aperfeiçoada no Senado

Também é alvo de questionamentos o dispositivo incluído pela Câmara que cria uma espécie de trava na alíquota padrão total de IBS e CBS. Especialistas consideram que, da forma como foi idealizado, o mecanismo pode se tornar inócuo, além de gerar insegurança jurídica.

Conforme a proposta do relator do projeto na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG), no ano de 2031 será feito um estudo para se estimar as alíquotas de referência que vigorarão a partir de 2033, considerando-se a arrecadação com IBS e CBS entre 2026 e 2030.  

Caso a soma da tributação com os dois impostos ultrapasse os 26,5%, o Executivo terá de encaminhar um projeto de lei complementar ao Congresso, propondo uma revisão das desonerações ou isenções em vigor, de modo a manter a arrecadação e reduzir a alíquota padrão. Novas avaliações serão feitas a cada cinco anos.

Como já citado, pelos cálculos do Ministério da Fazenda, a alíquota padrão já partirá de um nível superior a esse – pois as exceções criadas pelos deputados teriam levado a uma taxação geral de 28%.

Outro problema, ressaltou o advogado tributarista Alexandre Tortato à Gazeta do Povo, é que não há uma garantia de que as medidas serão de fato efetivadas. “O que está se dizendo na proposta é que o Executivo tem que mandar um projeto [ao Congresso], mas isso não significa que será aprovado”, disse.  

O próprio secretário especial para a Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, concorda que a proposta de trava para a alíquota padrão não tem garantias de que vá funcionar. Em julho, ao comentar o dispositivo, o economista disse que o governo deve sugerir a senadores mudanças na proposta aprovada pelos deputados. 



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