Regulamentação do mercado de carbono pode reduzir PIB do Brasil
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca protagonismo em pautas ambientais sob o pretexto de melhorar a imagem no Brasil na comunidade internacional. No afã de alguma pauta que emplaque, após oito meses da atual administração, Lula investe agora na regulamentação do mercado de carbono. O objetivo da gestão petista é usar a regulamentação como “trunfo” para Lula mostrar aos colegas na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), que acontecerá em novembro deste ano, nos Emirados Árabes Unidos.
Para isso, um projeto de lei que ainda tramita no Senado Federal precisa ser aprovado na Casa, passar também na Câmara dos Deputados e ser sancionado pelo presidente em menos de três meses. A corrida pela aprovação, no entanto, pode gerar impactos no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. O alerta é do advogado especialista em direito ambiental e responsável pelo estudo do Banco Mundial sobre o mercado de carbono no Brasil, Antônio Fernando Pinheiro Pedro.
“Há uma experiência que já foi constatada sobre a perda de PIB na adoção de projetos de mitigação de carbono em países em desenvolvimento. O risco é abrir mão de um crescimento econômico baseado em matrizes energéticas consolidadas em vários países de primeiro mundo em troca de um crédito pela emissão reduzida”, disse Pinheiro Pedro.
O advogado explica que com o foco na emissão de créditos de carbono, mantendo as florestas em pé, o Brasil pode ficar impedido de fazer uso do seu território para a exploração de minérios e de combustíveis fósseis, por exemplo, que estão ainda em pleno uso nas atividades econômicas de vários países. “Não podemos fazer uso do mercado de carbono como uma miragem no deserto. Quando a gente chegar lá, pode não ter a água que você quer”, completou o Pinheiro Pedro.
A nova legislação vai criar um sistema de comércio de emissões de gases do efeito estufa que internalize nas empresas os custos da emissão de carbono. “Se aprovado, o projeto irá fomentar a implementação de um sistema de precificação do carbono e, assim, incentivar que empresas trabalhem para instalar novas tecnologias e medidas que proporcionem a diminuição da intensidade de carbono nos processos produtivos das principais atividades econômicas no país”, explicou o advogado.
Governo quer fortalecer projeto em tramitação no Senado
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem defendido a regulação e se envolvido pessoalmente nas negociações dos textos que tramitam no Senado. Junto da senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) e relatora do projeto de lei 412/2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), Marina disse que o Brasil tem a possibilidade de auferir a oportunidade em relação ao mercado regulado de carbono. “E que a gente possa ser o endereço dos créditos mais íntegros que o mundo pode ter como oferta”, acrescentou a ministra a jornalistas.
Durante a entrevista, a senadora também enfatizou a participação de outros dez ministérios, além do Ministério de Meio Ambiente, na construção do relatório para o projeto de lei sobre o mercado de carbono. “O governo se debruçou, não só com o Ministério do Meio Ambiente, mas com outros dez ministérios, e nós fizemos o nosso trabalho aqui [no Senado], com [a realização de] quatro audiências e conversando com os setores. Esse relatório que nós apresentamos foi construído a várias mãos e, com certeza, a base do texto é do governo, mas com as contribuições gerais de todos que estiveram envolvidos no processo. É uma pauta prioritária para o presidente Rodrigo Pacheco”, disse a senadora Leila Barros.
O relatório sobre o projeto de lei apresentado pela senadora recebeu emendas e teve pedido de vista coletivo (mais tempo para análise) concedido na Comissão de Meio Ambiente. Na próxima semana, a relatora deve se reunir com o Fórum de Governadores da Amazônia Legal para debater o mercado de carbono.
O projeto de lei em tramitação busca inserir o Brasil no mercado regulado de carbono. Ele é dividido em duas categorias: regulado e voluntário, sendo o segundo o mais comum. A diferença entre eles é que o primeiro mercado passa por uma política internacional oficial de regulações, enquanto que no segundo isso não ocorre. No Brasil, o mercado de carbono voluntário está em funcionamento, já o regulado ainda está sendo construído.
“O Brasil busca substituir o modelo de mercado voluntário (ou livre), pelo qual as empresas buscam compensar suas emissões de carbono por força de norma moral ou equivalente (não-legal) pelo regulado, onde a legislação obrigará a realização de compensação pelas empresas”, explicou Pinheiro Pedro, advogado especialista em mercado de carbono no Brasil.
Mas o que o governo do PT não conta é que o mercado de créditos de carbono ainda está engatinhando, mesmo internacionalmente. Não há uma padronização de como medir e certificar os créditos de carbono que seja mundialmente aceita, o que torna o mercado arriscado. Ou seja, criar uma forma de regular os créditos de carbono aqui no Brasil não significa que ela será aceita ou adotada lá fora, pois não há ainda um padrão claro a seguir internacionalmente.
Setores de energia e do agro buscam aperfeiçoamento do texto
Em junho, o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg, disse estar “otimista” sobre a aprovação do PL. “Tenho convicção de que quanto mais afinados e consensuados nós estivermos, maior facilidade de aprovação no Congresso Nacional antes da realização da COP, no final do ano”, afirmou o secretário, durante evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Apesar dos discursos por parte do governo indicando consenso, o projeto pode enfrentar resistência durante os debates. A Frente Parlamentar de Energia já sinalizou que o texto é de interesse de todo o setor, mas que existem pontos a serem aperfeiçoados. Analistas avaliam ainda que a regulamentação encontrará maior resistência junto ao agronegócio.
Em audiência realizada no Senado, também em junho, o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), demonstrou preocupação com a elevação dos custos para a agroindústria com a possível regulamentação do mercado de carbono.
Também presente na audiência do Senado, o assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) Rodrigo Justus de Brito afirmou que os custos da implementação do mercado de carbono precisam ser inferiores aos benefícios. “A aprovação de um mercado regulado de emissões é necessária. Porém, com todos os cuidados, observando o cenário internacional e a competitividade dos nossos produtos. Colocar a agricultura como pagadora na emissão de carbono significa incorporar custos a mais nos alimentos, trazer inflação. A agricultura não faz parte do mercado regulado em nenhum país do mundo”, afirmou o assessor da CNA.
O alerta sobre os impactos no Brasil também é reforçado pelo advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro. Para ele, os projetos em tramitação podem ter como consequência a redução do PIB. “O governo é vítima do seu próprio proselitismo geopolítico. É refém do discurso eurocêntrico, de forma que um mercado baseado apenas em reduções mandamentais, direcionado à demanda externa, poderá reduzir o PIB”, avaliou.
O especialista acrescentou ainda que, “apesar de sermos um dos países com maior geração de energia limpa, somos criticados pelos europeus em relação à Amazônia”. “Vendemos muito mal nossos diferenciais ambientais. Temos que construir uma política ambiental própria e acabar com essa relação colonialista. Parece que ainda estamos no século XIX”, criticou Pinheiro Pedro.
Mas há outras interpretações sobre o que Pinheiro Pedro chama de relação colonialista. Os europeus tomaram a decisão política de reduzir suas emissões de gases que causam o efeito estufa. O Brasil não é obrigado a vender créditos de carbono para a Europa, mas, se quiser entrar no mercado da União Europeia, vai ter que se adaptar às leis locais. Ou seja, vai ter que ter que cumprir as mesmas imposições e ônus impostos às certificadoras de crédito de carbono e as empresas europeias para que a competição seja justa.
Assim, o Brasil precisa decidir se quer ou não vender créditos de carbono para a Europa e dar a Lula a visibilidade internacional que ele deseja atingir. Mas, se quiser conquistar os clientes europeus, o Brasil vai ter que seguir as regras europeias. A questão é que esse jogo pode prejudicar outros setores da economia brasileira.