revisão de anexo bilionário deve levar até três anos


Até tem data para começar, mas não para chegar ao fim. Na melhor das hipóteses, segundo avaliação do diretor-geral brasileiro de Itaipu, Enio Verri (PT), a revisão do Anexo C do Tratado da Binacional envolvendo os governos do Brasil e do Paraguai vai levar de dois a três anos. O prazo, porém, pode ser muito maior que a estimativa inicial.

Receba as principais notícias do Paraná pelo WhatsApp

As tratativas oficiais bilaterais sobre o tema iniciam, por regra e segundo o Tratado, no dia 13 de agosto. O novo governo paraguaio assume no dia 15 do próximo mês.

Internamente, o assunto já vem sendo trabalhado em diversas frentes. A revisão do Anexo C é crucial porque vai redefinir, entre outros aspectos, a destinação dos recursos bilionários de Itaipu, até então usados para o pagamento das parcelas de financiamentos contraídos há meio século para a construção da hidrelétrica. A última parcela foi paga em 28 de fevereiro deste ano.

Estima-se que fiquem em caixa cerca de US$ 2 bilhões por ano na Itaipu.

Enquanto autoridades políticas e o setor produtivo no Brasil reivindicam que os recursos sejam destinados a grandes obras estruturantes, como foi o caso da segunda ponte entre Brasil e Paraguai e outras grandes edificações durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o atual governo brasileiro de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sinalizado para outros rumos.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Verri reafirmou as intenções de investimentos em tecnologia, inovação, pesquisa, extensão e projetos sociais, a partir dos recursos da Itaipu. “Tínhamos, nos últimos quatro anos, a Itaipu realizando investimentos em obras na ordem de R$ 1,5 bilhão, ligadas à infraestrutura como rodovia, ponte. Nós reconhecemos a importância desses investimentos, mas entendemos, como tem dito o presidente Lula, que no estágio de desenvolvimento que o Brasil está hoje, a inovação, a tecnológica, a ciência e a pesquisa dão muito mais resultados para o futuro do país e à qualidade de vida da população do que se fazer ponte ou rodovia”, criticou.

Para Verri, não se trata de menosprezar grandes projetos de infraestrutura, mas de fazer escolhas. “O presidente Lula se elegeu em cima de uma plataforma, que seguimos na Itaipu, de investimentos profundos em políticas sociais, em ciência e pesquisa, porque isso sim garante o futuro do Brasil”, completou.

Como o lado brasileiro está tratando da revisão do Tratado de Itaipu

Ao menos duas reuniões oficiais envolvendo a alta cúpula do governo federal foram realizadas para debater a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu, nas últimas semanas, com a participação do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Caberá ao chanceler brasileiro e ao futuro ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramírez, iniciar e dar andamento às negociações. Ramírez toma posse tão logo o novo presidente do Paraguai, Santiago Peña, assuma. No mês passado, o futuro chanceler paraguaio disse em entrevista à Agência EFE que a “agenda com o Brasil vai muito além de Itaipu”, mas reconheceu a importância da binacional como a maior empresa do país vizinho.

Comercialização
do excedente

Também devem passar pela revisão do Anexo C aspectos ligados à venda de cerca de 80% da energia produzida pela margem paraguaia da hidrelétrica, hoje obrigatoriamente comercializada ao Brasil. O Paraguai não consome tudo o que produz. A binacional responde por 89% do fornecimento elétrico ao país vizinho. “Estima-se que o Paraguai só vá utilizar toda a energia produzida pela Itaipu (em sua margem) em oito ou dez anos”, lembrou Verri.

O diretor-geral brasileiro da Itaipu reforçou o que vem dizendo desde que assumiu o comando nacional da hidrelétrica: a negociação envolverá primeiramente os chanceleres dos países, vai passar pela análise e aprovação da Presidência da República dos dois países e, caso aprovado, segue aos respectivos Congressos Nacionais para aprovação final.

“Por isso digo, vamos ser otimistas? Dois ou três anos para isso, pelo menos. Existem exemplos de outros tratados, em outras hidrelétricas, que seguem por mais de uma década”.

Diretor-geral brasileiro de Itaipu, Enio Verri (PT)

Na reunião mais recente em Brasília, também foram acionados os chamados ministérios afins, diretamente influenciados nas decisões adotadas na binacional, além de diretores da Itaipu. “Não é porque não terminou uma negociação que você paralisa outras. Então continuamos com a metodologia que está hoje, discutindo as tarifas e, caso permaneçam nesse nível, de acordo e valores, a Itaipu continuará com os investimentos que está fazendo neste ano no que se referem às universidades, políticas sociais e desenvolvimento”, completou Verri, reafirmando o compromisso  para conclusão de todas as obras iniciadas no governo passado e que seguem em edificação.

Entre os exemplos está a construção da perimetral leste em Foz do Iguaçu (PR), sem a qual a segunda ponte entre Brasil e Paraguai não pode operar. As edificações estruturantes e de acesso à ponte devem ser concluídas somente em 2025.

Infraestrutura
e logística

Setor produtivo e líderes políticos se uniram para sensibilizar os dois governos, do Brasil e do Paraguai, a investir ao menos parte dos mais de R$ 9 bilhões que ficarão em caixa em infraestrutura e logística. O deputado estadual pelo PL do Paraná Marcel Micheletto é presidente da recém-criada Frente Parlamentar que discute a revisão do Anexo C de Itaipu no âmbito da Assembleia Legislativa estadual. O grupo fará audiências públicas pelo Paraná para coletar propostas para encaminhar aos governos.

O governador paranaense, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), alertou, em diversas oportunidades, que o estado gostaria de participar ativamente das decisões. A Itaipu atinge diretamente 15 municípios do Paraná. No entanto, o governo federal brasileiro reforçou que as decisões serão tomadas em âmbito federal dos dois países.

Diretor da margem brasileira de Itaipu, Enio Verri (PT) reforçou intenção de usar "sobra milionária" em outras vertentes, que não a de grandes obras.
Diretor da margem brasileira de Itaipu, Enio Verri (PT) reforçou intenção de usar “sobra milionária” em outras vertentes, que não a de grandes obras.| Rafa Kondlatsch/Itaipu Binacional

Embaixadora dá
detalhes sobre negociações

Em audiência pública para tratar da Revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu na Câmara dos Deputados, no fim de maio, Gisela Padovan, embaixadora e secretária para assuntos ligados à América Latina e Caribe no Ministério das Relações Exteriores (MRE) destacou que a pasta detém o papel de conduzir e articular sobre a posição brasileira à revisão, “defendendo os interesses do Brasil, dos consumidores, dos municípios e o interesse da competitividade e sustentabilidade da própria Itaipu”.

O subsecretário de Assuntos Econômicos do Ministério de Minas e Energia (MME), Gustavo Manfrin, lembrou que próximo de 60% do orçamento da binacional correspondiam ao serviço da agora quitada dívida. A pasta subsidia as negociações com informações e avalições, a partir das diretrizes sobre a política energética brasileira.

Desde 2019, um grupo de trabalho está em ação para traçar estratégias e analisar impactos sobre possíveis diferentes modelos da revisão sobre o Tratado de Itaipu.

“Foram elencados modelos e possibilidades futuras para a comercialização (da energia) e o impacto no mercado. São abordagens técnicas. Neste governo (do presidente Lula), eles podem dar subsídio”, reiterou Manfrin. Todo o processo técnico é acompanhado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), desde o início dos trabalhos.

Itaipu é empresa com leis e regramentos próprios

Por ser uma empresa binacional, Itaipu não é regrada nem pelas leis brasileiras, nem pelas paraguaias. Sua legislação própria está caracterizada pelo Tratado de Itaipu de 1973, que criou a igualdade de direitos e obrigações como uma entidade binacional.

No Brasil, era constituído pela Eletrobras e agora pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar), criada em 2021. Com a privatização da Eletrobras, a ENBPar tem capital fechado, sob a forma de sociedade por ações controlada pela União através do Ministério de Minas e Energia e, no Paraguai, pela Administração Nacional de Eletricidade (Ande).

“Há um igual número de brasileiros e paraguaios e toda decisão precisa ser por consenso. Não existe voto vencedor: no caso de um votar não, é o não que prevalece”, explicou o diretor-geral brasileiro da Itaipu.

O Tratado de Itaipu é composto pelos anexos A (relacionado ao estatuto), B (ligado aos aspectos de instalações) e C (que trata das bases financeiras do acordo). O Conselho de Administração da usina é composto por seis representantes do Brasil e seis do Paraguai, além de representantes da alta cúpula dos governos, que também participam das reuniões. Há ainda 12 diretores, seis de cada lado da margem. Todo tipo de decisão sobre o funcionamento da binacional precisa passar pelos diretores de ambos os países. Quando se trata de uma decisão ampla, é convocada uma reunião de diretoria e quando as definições estão relacionadas a investimentos maiores, é o Conselho de Administração quem toma as decisões estratégicas.

Funcionalidade

A primeira unidade de Itaipu começou a operar em 1984 e, em 2007, a última delas, totalizando 20 em serviço. Estudos de impacto ambiental da própria hidrelétrica consideram que o lago de Itaipu teria 194 anos de vida útil pela frente. “Há uma década a avaliação era de vida útil de 100 anos, mas graças às políticas ambientais e de preservação, foi possível aumentar para 194 o tempo de vida de Itaipu. Por isso a importância de continuar investindo na preservação e nas práticas ambientais de preservação e conservação”, reiterou Enio Verri.

Atualmente a Binacional responde pelo fornecimento de 9% da energia elétrica consumida no Brasil. Em 2001 eram 22%. “Ao longo os anos a Itaipu deixa de ser produtora de energia e passa a ser um conjunto de segurança operativa ao Sistema Nacional”, completou Verri.



Source link