Sistema de impostos reúne coleção de insanidades à espera de reforma



Se bem executada, uma reforma tributária pode resolver uma série de distorções e contradições que o sistema de impostos brasileiro mantém desde a promulgação da Constituição. A complexidade da legislação de tributos faz com que empresas gastem mais tempo e dinheiro e setores inteiros sejam prejudicados, enquanto processos se acumulam no Judiciário em meio a situações quase anedóticas de desigualdade de tratamento pelo Fisco.

Há cerca de um ano uma mudança na classificação do tradicional Sonho de Valsa, da Mondelez, chamou a atenção para o tema. Quando a guloseima era considerada um bombom, a empresa recolhia 3,5% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que incidem sobre produtos de chocolate. A partir da reclassificação como wafer, um item de padaria, a multinacional não precisou mais recolher o tributo.

A companhia informou que o reenquadramento do produto foi feito “com base em parâmetros técnicos devidamente embasados” em uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo o jornal “O Estado de S.Paulo”.

A estratégia foi a mesma utilizada pelo McDonald’s, que deixou de chamar suas sobremesas geladas de “sorvete” para enquadrá-las na categoria de bebida lácteas, que é isenta de PIS e Cofins. Como sorvete, as iguarias teriam alíquota de 3,65% a 9,25%.

Exemplos semelhantes não faltam. Ao serem classificadas como produto de confeitaria, barras alimentícias passaram a ter de recolher 5% de IPI, imposto do qual flocos de cereais são isentos. Perfumes comumente são discriminados em notas fiscais como água de colônia, também em razão do imposto menor.

Ainda que alíquotas diferenciadas possam ser admitidas como forma de incentivo a determinados setores, em alguns casos acabam por desestimular a produção com maior valor agregado. Máquinas de lavar roupa automáticas ou com centrífuga incorporada, por exemplo, têm alíquota de 13% de IPI, enquanto as não automáticas pagam 6,5%.

Uma construção em um canteiro de obras tem tributação menor do que a utilização de estruturas pré-fabricadas, pois no primeiro caso recolhe imposto como serviço e, no segundo, como produto.

A desigualdade do sistema tributário faz ainda com que seja mais vantajoso um profissional ser admitido como sócio de uma empresa tributada pelo regime de lucro presumido do que como empregado com carteira assinada de uma empresa do regime de lucro real.

Para um salário de R$ 100 mil, o primeiro trabalhador teria de recolher um total de R$ 16.827, enquanto o segundo, R$ 41.592, calculou em 2022 o economista Bernard Appy, atual secretário especial para Reforma Tributária. “Não há justificativa para tamanha diferença na tributação. Em algum momento teremos de enfrentar essa questão”, escreveu Appy em artigo no “Estadão”.

Do ponto de vista setorial, o peso da tributação também chama a atenção por seu caráter regressivo. Enquanto a indústria de transformação respondeu por 10,3% do PIB e 29,5% da arrecadação com impostos em 2019, o agronegócio respondeu por 4,2% do PIB e arrecadou 0,6%, segundo dados da Receita Federal e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) compilados pela Departamento de Economia, Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

“A elevada tributação imposta ao setor industrial tem uma dupla perversidade: por um lado, reduz o consumo e amplia a desigualdade social na medida em que onera desproporcionalmente as classes menos favorecidas. Por outro, inibe o investimento produtivo e, por consequência, o crescimento econômico do país”, diz nota técnica do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Cada empresa brasileira segue quase 5 mil regras para pagar impostos

Na semana passada, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou seu relatório sobre uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para a reforma do sistema tributário brasileiro.

A ideia principal é unificar cinco tributos sobre consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual para bens e serviços, com uma tributação federal e outra de competência de estados e municípios, além da mudança na cobrança tributária da origem para o destino, o que acabaria ainda com a chamada guerra fiscal.

Além de eliminar essas distorções, o principal objetivo da reforma tributária, uma das pautas prioritárias do governo no Congresso, é simplificar o arcabouço de impostos.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, já foram editadas mais de 466,5 mil normas tributárias no país, das quais 38,5 mil federais, 154 mil estaduais e 273,9 mil municipais. Isso significa que foram publicadas, em média, 54 regras tributárias por dia útil ao longo dos últimos 34 anos.

Os números fazem parte do estudo “Quantidade de normas editadas no Brasil: 34 anos da Constituição Federal de 1988”, do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), lançado em setembro do ano passado.

Do ponto de vista empresarial, estima-se que cada companhia deve seguir 4.869 normas, considerando que a média não realiza negócios em todos os estados brasileiros. Isso corresponde a 54,6 mil artigos, 127,4 mil parágrafos, 407,3 mil incisos e 53,5 mil alíneas, ou 6,6 quilômetros de normas, se impressas em papel formato A4 e letra tipo Arial 12.

“Em decorrência dessa quantidade de normas, as empresas gastam cerca de R$ 207 bilhões por ano para manter pessoal, sistemas e equipamentos no acompanhamento das modificações da legislação”, diz o estudo.

Mais de 5 milhões de processos tributários ingressaram na Justiça em 2022

No Tax Complexity Index, que classifica países de acordo com a complexidade do sistema tributário que pesa sobre empresas multinacionais, o Brasil ocupava em 2020 a 60.ª posição entre 69 países, com um indicador de 0,44 em uma escala que vai de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, pior).

Essa complexidade ainda contribui para a criação de um ambiente de insegurança jurídica e alta litigiosidade. Impostos, taxas e contribuições estão entre os assuntos mais demandados no Judiciário.

Considerando apenas as varas federais e estaduais de primeiro grau, foram 5.432.976 processos tributários iniciados somente no ano passado, segundo dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Na esfera administrativa, somente o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) acumulava mais de R$ 1 trilhão em litígios, de acordo com o Ministério da Fazenda.



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