subsídio do governo terá efeitos colaterais e baixo impacto



O programa de incentivo fiscal para baratear carros novos é uma receita velha que deve ter efeito discreto sobre os indicadores de inflação, ao custo de uma renúncia tributária bilionária e com baixo impacto econômico e social, avaliam economistas. A iniciativa, anunciada pelo governo no último dia 25, perpetua um regime que privilegia o setor automotivo no país e dificulta o cumprimento das metas estabelecidas pela equipe econômica no desenho do novo arcabouço fiscal.

A medida consiste em cortes de IPI, PIS e Cofins para modelos de até R$ 120 mil que atendam a critérios de eficiência energética e de conteúdo local. Segundo o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin (PSB), com o benefício concedido a montadoras, o valor de um veículo zero quilômetro pode cair de 1,5% a até 10,96%. As regras para acesso ao desconto, no entanto, ainda dependem de parecer do Ministério da Fazenda, que deve defini-las nos próximos dias.

“A gente mais uma vez está apostando em saídas antigas, que já deram errado. A medida vai frontalmente na direção oposta à agenda que o [ministro da Fazenda, Fernando] Haddad está tentando perseguir, que é de reversão de renúncia fiscal, e de que o arcabouço fiscal depende”, diz Gabriel Leal de Barros, sócio e economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

A intenção de Haddad é cortar aproximadamente R$ 150 bilhões de regimes especiais por ano, segundo já declarou mais de uma vez. Enquanto projeta R$ 136,2 bilhões de resultado primário negativo neste ano, o governo estabeleceu como meta zerar o déficit já a partir de 2024.

Barros lembra que boa parte do atual gasto tributário, que corresponde hoje a 4% do PIB, é considerada praticamente “irrevogável”, em razão do custo político, como o referente às empresas instaladas na Zona Franca de Manaus, ao Simples Nacional e a entidades sem fins lucrativos que atuam nas áreas de saúde, educação, cultura e assistência social.

“Conforme a gente vai retirando desse bolo de renúncias o que tem mais dificuldade política de ser revertido na reforma tributária, sobra um espaço muito pequeno para que o Haddad consiga ser bem-sucedido na agenda de aumentar a arrecadação acabando com benefícios fiscais”, diz.

Segundo o governo, 33 modelos de 11 marcas serão beneficiados com a nova rodada de benefícios à indústria automotiva. “A proposta de estímulo é transitória e anticíclica, para este momento em que a indústria está com muita ociosidade”, disse Alckmin ao tornar pública a proposta para o setor.

“Apesar da redução de impostos ter sido bem recebida pelos líderes da indústria, faltam mais informações a respeito do plano”, comenta Pedro Canto, analista da CM Capital. “Não foram informados o montante total a que o governo iria renunciar, o tempo de validade e tampouco se haverá compensação e de que forma a perda desta receita iria impactar um momento difícil de déficit nas contas públicas”, acrescenta.

Em entrevista à GloboNews, Haddad disse que o programa deve durar de três a quatro meses e que o custo não chegará a R$ 2 bilhões. “O problema é que a gente não consegue acreditar que vai durar só isso. Já vimos várias vezes benefícios temporários sendo prorrogados aqui no Brasil. Nada impede que a mesma coisa aconteça”, diz o economista-chefe da Ryo Asset.

Ele ressalta ainda que a medida não está focada em pessoas socialmente mais vulneráveis. “A gente sabe que essa renúncia é para a classe média. O governo está de olho na popularidade”, avalia.

Ainda à GloboNews, Haddad argumentou que o governo busca atender todas as classes sociais, e não apenas sua base eleitoral tradicional.

Do ponto de vista macroeconômico, o novo benefício deve ter efeito marginal sobre a inflação, uma vez que carros novos e usados têm peso de 5% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Uma redução no valor dos veículos zero deve pressionar para baixo também a referência de negociação no mercado de seminovos.

Do ponto de vista da atividade econômica, o efeito não deve ser perceptível, segundo Barros. “Não acho que vá ser suficiente para estimular a concessão de financiamento, até porque os juros estão altos, as famílias estão muito endividadas e o comprometimento de renda também está muito elevado”, diz o economista. “O espaço é muito curto para que essa medida seja um gatilho para um crescimento muito forte tanto do emprego quanto do PIB.”

Para o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, o pacote do governo teria o potencial de gerar um aumento de vendas da ordem de 200 mil a 300 mil unidades neste ano.

Estímulo a conteúdo nacional prejudica produtividade e produto final, diz analista

O estímulo à densidade industrial local, por meio da concessão de benefícios maiores a modelos com maior porcentual de peças nacionais, também não é consenso entre analistas. “Medidas de proteção da indústria local por meio de barreiras não tarifárias – como regras de conteúdo local – tendem a prejudicar a produtividade da indústria e o produto final para o consumidor, no longo prazo”, ressalta Júlia Aquino, analista da Rico Investimentos.

Embora tenha incluído a eficiência energética como um dos critérios para enquadramento no regime especial, o governo ainda acaba por incentivar a produção de veículos movidos a combustão, contrariando a tendência de transição energética para fontes mais limpas adotada no contexto internacional.

Também em razão dos subsídios concedidos historicamente ao setor – o governo já abre mão de cerca de R$ 10 bilhões anuais de impostos da indústria automotiva –, o Brasil não têm uma plataforma de produção de veículos para exportação. “A produção é basicamente focada no mercado local, e isso explica também porque os carros são caros aqui”, explica Barros.

Um dos argumentos utilizados pelo governo para conceder a renúncia foi o de que as montadoras estão operando abaixo de sua capacidade instalada. “O setor automotivo no Brasil tem uma capacidade instalada de 4,5 milhões de automóveis, e 84% da produção depende do mercado interno. A utilização dessa capacidade está muito baixa, e cerca de 13 fábricas anunciaram paralisações”, justificou Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC.

“Mas parte relevante desse excesso de capacidade instalada foi produzido pelo próprio Lula e por Dilma quando [seus governos] deram enormes incentivos fiscais a partir da crise de 2008 e 2009”, diz o economista-chefe da Ryo Asset.



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