um filme de tribunal com diálogos desconcertantes



Na história de Hollywood, dois aspectos bastante relevantes são
observados nas produções realizadas entres as décadas de 1980 e 1990: um
refere-se a questões políticas e outro está relacionado à linguagem e
construção do roteiro. Questão de Honra,
dirigido por Rob Reiner, é um excelente exemplo da combinação desses dois
aspectos, além de narrar um empolgante enredo ambientado em tribunais,
colocando frente a frente advogados e promotores numa batalha verbal em busca
de justiça.

A trama começa quando o soldado William Santiago, um fuzileiro naval na
base de Guantánamo, em Cuba, é assassinado por dois outros soldados, Harold e
Louden. As primeiras investigações levam a crer que o crime se deu por mera
vingança, uma vez que a vítima, um insubordinado, teria desonrado a tropa ao
solicitar transferência para outra unidade. O caso acaba nas mãos da
tenente-comandante Joanne Galloway (Demi Moore), investigadora e advogada da marinha.
Evidentemente que ela se depara com a desconfiança e o machismo das Forças
Armadas, e assim será obrigada a se subordinar ao jovem e iniciante advogado
Daniel Kaffee (Tom Cruise). Mas ambos acabam formando uma boa dupla e logo
percebem que há inúmeras distorções sobre os acusados Harold e Louden, e que
eles merecem mais do que uma simples negociação jurídica para uma sentença
razoável. Joanne e Kaffee querem a verdade.

Na busca incansável e perigosa pelos fatos, a dupla descobre que Santiago apresentava problemas de saúde. O responsável por transferir Santiago era o tenente-coronel Matthew Markinson (J.T. Walsh), mas a solicitação foi negada pelo superior, o coronel Nathan Jessup (Jack Nicholson). Jessup, certo de seu poder por conta da patente, preferiu fazer o papel também de juiz e autorizou que o tenente Jonathan James Kendrick (Kiefer Sutherland) aplicasse ao fuzileiro William Santiago o chamado “red code” (código vermelho), um código não escrito, cujo caráter violento resultou na morte do soldado.

Inspiração familiar

Repleto de diálogos longos, elaborados e desconcertantes, Questão de Honra (disponível em
streaming pelo HBO Max, Brasil Paralelo e locação via Apple TV) é daqueles
filmes que crescem a cada sequência e não deixam tempo para o espectador
respirar. Trata-se de um arrebatamento que não poderia ser atingido sem a
habilidade do roteirista Aaron Sorkin, cuja história ele escreveu quando tinha
28 anos de idade e com ela estreou na Broadway, em 1989. Sorkin desenvolveu
essa trama de suspense judicial a partir dos relatos contados pela própria
irmã, Deborah, que foi Juíza da Advocacia Geral da
Marinha na base de Guantánamo.

De sólida formação republicana e liberal, Sorkin pretende com a história
discutir o que é e como de fato se faz a Justiça. Mas isso tendo em vista a
correção e o respeito às leis, ainda que num ambiente militar onde há aqueles
que se contaminam pelo poder absoluto e se colocam acima do bem e do mal. É
providencial que a história tenha como ponto de partida um crime cometido na
base militar americana em Cuba, pois isso abre um leque de referências, do
ponto de vista político, que permite uma profunda reflexão sobre o
comportamento dos personagens.

Vale lembrar que o auge da Guerra Fria se deu justamente na década de
1980, quando o presidente americano Ronald Reagan emplacou sua política
anticomunista e promoveu uma campanha implacável para o fim do conflito
político-ideológico travado entre Estados Unidos e União Soviética que
polarizou o mundo em capitalismo e comunismo. Nesse cenário, Reagan também
aumentou a tensão com o governo de Cuba (apoiado e sustentado pelos
soviéticos), inserindo a capital Havana na lista de patrocinadores do
terrorismo por seu apoio aos movimentos armados na América Latina. Mas, em
1989, o muro de Berlim (na Alemanha) veio abaixo – um evento que marcou a queda
da Cortina de Ferro e o início da derrocada do comunismo e da União Soviética.
É nesse ano e nesse clima que Sorkin escreveu Questão de Honra.

Lançado em 1992, na esteira dos fatos aqui descritos, Questão de Honra chegava à plateia num
momento em que crescia ainda mais o patriotismo americano e a perfeita noção
dos pilares do conservadorismo, sobretudo a moral e a ética. Para Joanne e Kaffee,
os advogados e personagens centrais do filme, normas precisam ser cumpridas,
relações de subordinação hierárquicas devem ser obedecidas, mas jamais pode-se
admitir o risco de que algum desvairado cruel, movido por suas ambições de
poder, passe por cima da honra e das leis, utilizando-se de manobras jurídicas,
para se tornar líder somente em favor de seus próprios interesses. Quando
alguém assim vence, está decretado o fim do estado democrático de direito e,
portanto, da Democracia.



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